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FUTEBOL MODERNO

Resistência ao futebol moderno e à elitização no esporte ganham força em transição no Brasil

Movimento ganha força com torcedores, que não aceitam altos custos no futebol

postado em 03/04/2015 09:13 / atualizado em 03/04/2015 10:54

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O futebol brasileiro passa por um momento de transformação na relação com seus torcedores. Desde o ano passado, os clubes decidiram investir de forma pesada nos programas de sócio-torcedor, estratégia que, de certa forma, privilegia aqueles que estão dispostos a pagar uma mensalidade para ter privilégio de entrar nos estádios. Mais do que nunca, a palavra mercantilização está alta.

No entanto, o fato de os clubes buscarem a evolução em sua administração também gera críticas, no caso dos defensores do "ódio eterno ao futebol moderno", que não tem relação, por exemplo, com o estilo vencedor de jogo alemão na Copa do Mundo de 2014. O que está em questão é, principalmente, a paixão clubística.

“O futebol moderno começa pela elitização do esporte. Isso acaba afastando os torcedores de baixa renda e os substituindo por meros consumidores, que vão chegar cedo a todos os jogos, comprar camisas, consumir alimentos dentro do estádio e ficarão sentados o jogo inteiro, como que assistindo a um mero espetáculo. O torcedor que vai para ficar em pé, cantar e apoiar o time acaba ficando de fora por não ter condições econômicas”, resumiu Marcel Nemer, um dos defensores contra a "modernização" do futebol e integrante da torcida Camorra 1914, do Palmeiras.

“Trata-se de um modelo de gestão do futebol que objetiva única e exclusivamente aumentar o lucro e o faturamento dos envolvidos. Ele subjuga e ignora todos os outros aspectos do esporte (cultura, história, etc.) e foca suas análises e tomadas de decisão apenas na questão financeira”, explicou André Vidiz, moderador de uma página sobre futebol no Facebook.

O surgimento: Inglaterra dos anos 90

O conceito de futebol moderno começou a ser desenvolvido na Inglaterra dos anos 90, após a Tragédia de Hillsborough, em abril de 1989. Na ocasião, uma superlotação no estádio de Hillsborough, em Sheffield, causou a morte de 96 torcedores do Liverpool durante a partida contra o Nottingham Forest, válida pelas semifinais da Copa da Inglaterra.

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A tragédia levou o governo britânico, na época comandado pela premiê Margaret Thatcher, a tomar algumas medidas junto à Football Association (FA), federação que comanda o futebol inglês, e os clubes. As autoridades acabaram concluindo que a culpa foi dos torcedores e, então, iniciou-se um processo de reformulação dos estádios: os hooligans, torcedores fanáticos famosos pelas confusões dentro e fora dos estádios, passaram a ser punidos e banidos do ambiente esportivo. Os estádios se modernizaram, as regras se endureceram e, consequentemente, o preço dos ingressos subiu drasticamente.

Hoje em dia, assistir a um jogo de futebol na Inglaterra é visto como algo extremamente seguro e confortável. Entretanto, nem tudo são flores. Muito se fala da perda da “alma” das torcidas, que têm de se resignar aos seus assentos e assistir aos jogos como se fosse uma mera peça de teatro, no conforto de uma poltrona, aplaudindo somente os melhores lances. No estádio do Tottenham, por exemplo, os torcedores não podem ficar de pé, a não ser para comemorar quando o time marca algum gol.

Os preços são bem salgados. Por exemplo, para ver um jogo do Liverpool pela Premier League, em Anfield Road, existem três categorias: A, B e C, de acordo com a expressão da equipe adversária e a importância da partida. O ingresso para um duelo contra um time da categoria C, a mais barata, custa, em média, 42 libras, o equivalente a R$ 192.

A situação vem sendo motivo de protestos por parte da torcida dos Reds, que, periodicamente, levam faixas aos estádios criticando os valores astronômicos. Em agosto do ano passado, um grupo de torcedores de West Ham, Manchester United, Arsenal e do próprio Liverpool realizou uma marcha de protesto em Londres, em frente à sede da FA.

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E não são só os torcedores de grandes clubes que fazem barulho contra os preços altíssimos e a ganância dos dirigentes. O Crystal Palace, clube do sul de Londres, que hoje disputa a primeira divisão, é um dos grandes pólos de resistência ao futebol moderno na Terra da Rainha. A torcida organizada (Ultra) do clube, a Holmesdale Fanatics, chama a atenção por não seguir os padrões impostos pela FA, e lutam por mais festa dentro dos estádios.

Seja no setor B do estádio Selhurst Park, seja nos estádios rivais, os torcedores do Palace estão sempre fazendo barulho, empurrando a equipe e protestando contra o futebol moderno inglês. As bandeiras e faixas até lembram as hinchadas sul-americanas ou os Ultras italianos, inspirações da Holmesdale. Confira a torcida em ação em duelo contra o West Ham, rival do leste londrino.

Mais um 7 a 1?

A mudanças de conceitos no futebol também vêm afetando o Brasil.. A discussão começou a ganhar peso especialmente após a modernização dos estádios com a Copa de 2014 e o vexame dos 7 a 1 contra a Alemanha.

“Antes dos 7 a 1, achavam que era besteira falar sobre isso (as desvantagens do futebol moderno), que o futebol brasileiro estava melhorando, mas a derrota vergonhosa só mostrou que estamos no caminho errado, que a Seleção e o nosso futebol já não impõem respeito em nenhum adversário”, declarou Adelino Martins, criador da página do Facebook “O Canto das Torcidas”, que critica o futebol moderno e o reflexo que ele dá no próprio jogo dentro de campo.

Segundo estudo realizado pela Pluri Consultoria, em agosto de 2014, o Brasil tem o ingresso mais caro do mundo se relacionado com a renda per capita. Em média, o brasileiro deve desembolsar a quantia de R$ 51,74 para conseguir assistir às partidas nos lugares mais baratos dos estádios.

Coincidência ou não, o melhor exemplo de boa gestão no futebol moderno vem do algoz da Seleção na Copa de 2014. Ao contrário do que vem acontecendo no Brasil, as belas e modernas arenas alemãs não expulsam o torcedor menos abastado dos estádios. Pelo contrário: as grandes médias de público no País mostram o sucesso de um modelo de gestão democrático, que prioriza tanto o torcedor mais elitizado como o mais popular.

“Lá acontece o cenário ideal: o torcedor que quer cantar e pular tem o seu espaço, e o torcedor que quer conforto e assistir ao jogo sentado também tem. O estádio é democrático e atende a todos os públicos”, disse Marcel Nemer.

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O Signal Iduna Park, estádio do Borussia Dortmund, tem 25 mil lugares populares, os chamados stehpläzes (onde os torcedores ficam de pé), com ingressos a 16 euros, o equivalente a R$ 52. Na casa do maior campeão da Alemanha, o Bayern de Munique, não é diferente: para assistir a uma partida num stehpläze da Allianz Arena, o torcedor bávaro tem de desembolsar 15 euros, que equivalem a R$ 48.

A média de valor das entradas no Campeonato Alemão, em 2014, era de R$ 60, maior que a brasileira. Entretanto, o estudo da Pluri Consultoria mostra um resultado que deve servir para ampliar a reflexão: considerando a renda per capita de ambos países, o torcedor alemão pode comprar até 1716 ingressos durante o ano, enquanto o brasileiro pode adquirir só 495.

Os resultados da boa gestão alemã são visíveis: a liga local, Bundesliga, teve a maior média de público do mundo no ano passado, com 45.803 torcedores por jogo. Já o Brasileirão não figura nem no Top 10, sendo o 15º colocado na lista com média de aproximadamente 15 mil pessoas por partida.

Bem gerida e extremamente assistida e valorizada, a Bundesliga é um dos trunfos da tetracampeã do mundo. Mais um 7 a 1 dos germânicos. Desta vez, também fora de campo.

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