None

TIRO LIVRE

Quando foi que o elo se rompeu?

Dunga tenta se defender de todo jeito. Rebate quem aponta fragilidades táticas, técnicas, físicas, mentais e tudo mais que houver para influenciar o desempenho de uma equipe

postado em 03/07/2015 12:00 / atualizado em 03/07/2015 08:05

EM DA PRESS
Decisão da Copa América amanhã, entre Chile e Argentina, e a gente aqui, assistindo a tudo com aquela invejinha branca – dizem que essa é a inofensiva, sem sentimentos negativos envolvidos, então está liberada. Nem de longe o Brasil de Dunga fez por merecer a presença na final. Em momento algum, aquele time (que se agarrava ao torneio como uma tábua de salvação, para atenuar as péssimas lembranças da Copa do Mundo) foi o que um dia se convencionou chamar de Seleção Brasileira. Convenhamos: muito melhor mesmo ver Messi e cia. contra empolgados anfitriões, que lutam pelo inédito título. Nesse ponto, então, devemos um agradecimento a Dunga.

Hoje, chilenos e argentinos reúnem o que de melhor há no futebol sul-americano – a Colômbia também merece menção. É quase uma unanimidade mundial que a Seleção Brasileira perdeu o encanto, a identidade e, pouco a pouco, vai ficando sem a admiração dos torcedores de modo geral. A camisa amarela já não desperta aquele encantamento. Mas parece que a ficha caiu para todo mundo, menos para quem comanda a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a comissão técnica da Seleção Brasileira. É como se estivesse tudo muito bom, tudo muito bem. A naturalidade com que é tratado o momento atual espanta.

Dunga tenta se defender de todo jeito. Rebate quem aponta fragilidades táticas, técnicas, físicas, mentais e tudo mais que houver para influenciar o desempenho de uma equipe. Mas quer saber, Dunga? Não sou só eu que não estou gostando nadinha do que estamos vendo. Não é só meu pai, Humberto, que viu as gloriosas seleções do passado e de quem herdei o amor pelo esporte bretão. É o padeiro, o caixa do supermercado, a manicure, o advogado, o cantor, a arquiteta, o banqueiro, o Pepe, o Zico, o Carlos Alberto Torres, o Rivaldo, o Ronaldo... até o Galvão, Dunga!

Num resumo da ópera, caro treinador do “ex-crete” canarinho, a coisa tá feia. Até um argentino se viu no direito de dar pitaco – e não é qualquer um. Ninguém menos que Cesar Luis Menotti, técnico dos hermanos por oito anos, inclusive na conquista do Mundial de 1978. “Não me recordo de uma Seleção que tenha jogado tão mal. Nunca vi um Brasil tão indefeso. Os zagueiros não fecham com os laterais, os defensores ficam presos na área, ninguém vai nos rebotes. Às vezes, parecia que estavam interessados em voltar para curtir o verão europeu”, disse.

Um dos símbolos da talentosa geração dos anos 1980, Zico também disparou: “O que tenho é o incômodo com a presença de um ex-empresário no comando das seleções e a percepção de que a nossa equipe principal entra em campo com jogadores jovens que se valorizam rapidamente e nem sempre atuam em campeonatos competitivos. E um treinador obcecado com a geração de 82...”.

Capitão do Brasil na Copa de 1970, Carlos Alberto Torres foi outro que não se preocupou em ser politicamente correto: “Tem gente que diz que sou conservador, mas vi um garoto desembarcando em São Paulo (Roberto Firmino), e aquilo não é jogador de Seleção, é jogador de pelada. O cara de capuz na cabeça. Na Europa, você vê Neymar e todos desembarcando de terninho e gravata, respeitando a instituição. Aqui, não respeitam”.

Pipocaram especialistas no assunto (e que brasileiro não o é?) para apontar um problema. Eu me pergunto quando foi que esse elo se rompeu. Quando o Brasil deixou de ser Brasil. Não, não foi no 7 a 1 para a Alemanha. Aquele desastre no Mineirão foi apenas mais um capítulo, o mais traumático talvez. Houve, no entanto, o momento da cisão, em que não percebemos claramente que o curso da história estava mudando.

Há quem acredite que o desencantamento veio com a massiva emigração dos craques para o exterior, a partir dos anos 1990. Outros indicam a fatídica final contra a França, na Copa de 1998. Ou teria sido o crescente mercantilismo que tomou conta da cabeça dos astros a partir dos anos 2000? Há teóricos que relacionam o empobrecimento técnico ao fim dos campos de várzea. Fato é que muitos perderam o trem dessa história.

Hoje, o Brasil precisa reconstruir sua identidade. Outros países também passaram por esse processo, e a própria Alemanha é um exemplo. Mas é preciso uma mudança radical na estrutura, que não se anuncia. Enquanto os cartolas se preocuparem mais com o lado financeiro do futebol, vai nos restar mesmo assistir, de fora, ao protagonismo dos nossos vizinhos.

Tags: americamg atleticomg cruzeiroec