Futebol Nacional

TRAGÉDIA

Como Brasil de Pelotas, Torino e Manchester United foram ajudados após grandes tragédias

Clube brasileiro foi socorrido pela torcida e sofreu com falsas promessas; já times europeus tiveram gestos inesperados de Corinthias, River Plate e Real Madrid

postado em 05/12/2016 08:33 / atualizado em 05/12/2016 10:29

Reprodução/ Jornal de Notícias
Tirar forças para o recomeço não será fácil. Mas, após a maior tragédia do futebol mundial e do jornalismo brasileiro com 71 mortos no avião que caiu na Colômbia, na madrugada da última terça-feira, a Chapecoense tem exemplos de equipes que não se dobraram diante da forte dor. Contando com a solidariedade de outros clubes e o amor incondicional da torcida, veio o ressurgimento. O Superesportes reconta como times tentaram amenizar perdas irreparáveis pelo sentido seguir como exemplo nos campos, pregando a mensagem de superação.

BRASIL DE PELOTAS NA FORÇA DA TORCIDA  E COM UM ALERTA PARA A CHAPE
Eram mais de 23h do dia 15 de janeiro de 2009. Um ônibus de dois andares voltava com os jogadores do Brasil de Pelotas de um jogo-treino no Vale do Sol, diante do Santa Cruz-RS. O Xavante havia vencido a partida em 2 a 1, em mais um dia de preparação para o Estadual. Quando entrou na curva da RS-471 à BR-392, a 83 quilômetros do destino, veio a queda em um barranco de 40 metros. No meio da escuridão, as vítimas. Foram nove feridos graves e três mortos: Cláudio Milar, maior ídolo da torcida e com passagens em Náutico e Santa Cruz, o zagueiro Régis e o treinador de goleiros Giovani Guimarães.

A tragédia abalou o Xavante, mas a torcida esteve presente. “Costumo dizer que essa é uma torcida que tem um time e não um time que tem uma torcida”, afirma o médico Tomás Recuero, de 29 anos. Ele, junto com outros aficionados, viveu de perto os piores dias do Brasil. “Corremos ao pronto socorro e fomos sabendo dos acontecimentos, da gravidade. A partir disso, fomos ao local do acidente. Ajudamos no recolhimento do material do clube e os pertences dos jogadores. Foi um momento muito trágico”, lembra.

Divulgação/gebrasil.com.br

Em seguida, Tomás, ao lado de mais torcedores, apressou-se para formar uma associação sem fins lucrativos logo após o desastre. O grupo já costumava debater a trajetória do Brasil na internet e deu um passo importante. Treze dias após o fatídico acidente,  a Cresce, Xavante! foi formalizada. Hoje com cerca de 35 integrantes, o grupo participou de forma ativa da fase crítica.

Em meio à essa trajetória dolorosa, a torcida ajudou na troca do alambrado do estádio Bento Freitas. Um ano após o acidente, viabilizou a doação de um novo ônibus para o clube. A Cresce, Xavante! hoje administra a loja oficial do Brasil. Segundo Tomás, atual presidente da entidade, de 30% a 40% do lucro é destinado ao time. O restante é usado para manter o negócio. “Até agora, ajudamos com algo em torno de R$ 1 milhão”, conta.

Falsas promessas
O acidente do Brasil causou comoção. Vários clubes, políticos e empresas se prontificaram a ajudar de imediato. Mas, com a distância do fato, as mãos estendidas foram se recolhendo. “A nossa tragédia foi muito semelhante a da Chapecoense, mas de menor proporção. Tivemos muitas promessas, mas várias não foram cumpridas”, diz Helder Lopes, presidente na ocasião da tragédia do Xavante.

Reprodução/Governo do Estado do Rio Grande do Sul
Segundo o ex-dirigente, vários clubes se prontificaram a ceder atletas. Mas as ofertas não eram as ideais. “Falou-se muito da dupla Gre-Nal. Fomos muito bem recebidos pelo Grêmio, que nos cedeu alguns atletas. Mas era começo de ano com times recém-formados. Sobraram jogadores voltando de lesão e outros que estavam sem clube”, acrescenta Lopes, que acabou não aceitando as condições oferecidas pelo Internacional.

Ainda segundo o ex-presidente, o Botafogo foi outro clube que auxiliou o Brasil participando de um amistoso com o time e doando toda a renda. “Contamos também com a ajuda do governo do estado, que nos deu uma ajuda irrisória. Algumas empresas também patrocinaram a nossa camisa e ainda tivemos a ajuda financeira dos empresários (de jogadores) Jorge Machado e Gilmar Veloz”, contabiliza. “Quem nos ajudou, ficamos muito gratos. Quem não, não tem problema. O que machucou foi se prontificar em público e não fazer nada depois”, acrescenta.

Mesmo com o cofre comprometido e o elenco limitado, a diretoria do Brasil decidiu, antes de tudo, cuidar das vítimas e familiares. Segundo Helder, o dinheiro arrecadado serviu para indenização ao grupo que sofreu com o acidente. Em seguida, passou a formar o time para disputar o campeonato gaúcho. “Houveram boatos de que a gente não poderia cair. Mas, ninguém nunca formalizou isso. Três dias depois, pediram uma posição para saber se a gente iria jogar”, declara Helder.

O Brasil entrou em campo, mas acabou rebaixado no Estadual. “Nós tínhamos que pagar duas folhas. Uma do time e outra das pessoas afetadas com o acidente. Mas, por todas as questões legais, nós tínhamos que jogar para não inviabilizar o clube no futuro”, diz Helder.

A dor da tragédia ainda se somou às derrotas esportivas. Em 2011, o time também caiu à Série D do Brasileiro. Só que, unido, o Brasil se reconstruiu e, este ano, disputou a elite do Campeonato Gaúcho e fez uma campanha regular na Série B do Brasileiro, ficando na 11ª posição.


A DOR COMPARTILHADA DO TORINO COM CORINTHIANS E RIVER PLATE
A primeira grande tragédia do futebol tomou o auge do Torino, da Itália. No dia 4 de maio de 1949, o esquadrão retornava de um amistoso com o Benfica, em Lisboa, Portugal. Por uma falha no altímetro, o piloto julgava estar em uma altitude maior até que colidiu contra a Basílica de Superga. Foram 31 vítimas fatais, sendo 18 atletas do time à época tetracampeão nacional.

O Torino estava a caminho do quinto título. Faltavam apenas quatro jogos. Desse modo, a Federação Italiana, junto com os demais clubes, proclamou o time como campeão. Nas partidas restantes, estiveram em campo apenas jogadores da base. Em respeito, os rivais repetiram a escolha. A equipe grená venceu todos os confrontos.

A solidariedade ainda rompeu fronteiras e chegou ao Brasil. Um ano antes, o Torino, com seu elenco principal, esteve em São Paulo. Em passagem marcante para o esporte nacional na época, empatou os amistosos com Palmeiras e Portuguesa, venceu o São Paulo e perdeu para o Corinthians.  Foi a derrota, contudo, que fez o time criar fortes laços com o país. Três dias depois da tragédia, o Timão enviou um telegrama ao Torino se oferecendo para disputar uma partida contra qualquer adversário e local desejado pelo antigo rival.

Em seguida, o clube paulista disputou um amistoso com a Lusa vestindo a camisa do Torino. A renda foi doada para os familiares envolvidos na tragédia. A relação, aliás, ainda perdura. Em 2011, o terceiro uniforme do Corinthians veio na cor grená para lembrar os gestos do passado.

Na América do Sul, por sinal, o Torino encontrou ainda um grande laço com a Argentina. Dois dias depois da Tragédia de Superga, o River Plate, que também presta homenagem a Chapecoense ao anunciar que jogará de verde, tomou a iniciativa de enviar um telegrama e solicitar um amistoso para reverter toda a renda aos familiares das vítimas. Em 26 de maio, então, um combinado de atletas italianos representou o Torino diante da equipe completa dos Millionários, que tinha craques como Di Stéfano. O estádio Comunal de Turim ficou tomado.

Já em 1957, quando o time grená ainda sofria com os reflexos da tragédia de oito anos atrás, o presidente do River, Antonio Liberti, aceitou liderar um comitê que geriu o Torino. Ele comandou o clube por um mês. Virou, então, uma eterna amizade entre os dois times que se enfrentaram de maneira amistosa em outras ocasiões e passaram a vestir as cores um do outro em uniformes alternativos. Este ano, aliás, um dos padrões da equipe italiana homenageia o River.

Reprodução/ Jornal de Notícias

MANCHESTER UNITED É SOCORRIDO PELO REAL MADRID
No dia 6 de fevereiro de 1958, o avião que trazia a delegação dos Red Devils não cumpriu a sua rota. A equipe havia acabado de se classificar à semifinal da Copa dos Campeões da Europa após bater o Estrela Vermelha. Na volta de Belgrado, a aeronave fez uma pausa em Munique, na Alemanha. Na terceira tentativa de decolagem, caiu. Havia uma tempestade de neve. Morreram 23 pessoas, sendo oito jogadores. Entre eles, o craque Duncan Edwards.

O time que imediatamente estendeu a mão foi o Real Madrid. Com o elenco devastado pelo acidente e sem condições de lutar pelo tricampeonato inglês e o primeiro título continental, o clube da Espanha ofereceu suas instalações para ajudar na recuperação dos acidentes. Realizou ainda uma série de amistosos e cedeu toda a renda. Fez também flâmulas para serem vendidas e, assim, ajudar na arrecadação de mais verba.

Outro gesto surpreendente foi oferecer seus dois principais jogadores para o Manchester United. Puskas e Di Stéfano, que já havia participado do amistoso para ajudar o Torino quase nove anos antes, poderiam jogar os últimos três meses da temporada. A Federação Inglesa não aceitou o empréstimo, mas o gesto se tornou inesquecível para os clubes.

Como está o Torino

Após a tragédia, o Torino sofreu e, até hoje, não retomou a condição de outrora. Com campanhas decadentes, caiu para a segunda divisão dez anos depois da queda do avião. Só na temporada 1975/76, conquistou o campeonato italiano. Em 1991/92, levantou a Copa Itália. Em contrapartida, esteve na segunda divisão por 12 vezes. Neste ano, disputa a primeira divisão do Nacional. Em boa fase, está no sétimo lugar, uma posição abaixo da zona de classificação para a Liga Europa, e soma 25 pontos, quatro a menos que o segundo colocado - a Roma.
 
Como está o Manchester United

A ajuda que recebeu na época do acidente foi fundamental para o clube voltar a triunfar. Cinco anos após o acidente, venceu a Copa da Inglaterra. Em 1965, conquistou a taça do Campeonato Inglês. Já em 1968, foi a vez de levantar a sonhada Copa da Europa (atual Liga dos Campeões) com a lenda Bobby Charlton, sobrevivente da tragédia, como capitão do time. Atualmente, os Red Devils são o terceiro clube mais rico do mundo, avaliado, este ano, em 2,9 bilhões de euros pela Forbes.