Basquete

Basquete de Brasília agiu com descaso com categorias de base, acusa ex-técnico

Relatório demonstra pouca utilização dos jovens. Instituto que comanda o time afirma que documento é "parcial"

postado em 15/07/2017 06:00 / atualizado em 15/07/2017 09:58

Sergilan Bandeira/UniCeub
O fim da parceria de sete anos do Centro Universitário UniCeub com o principal time do basquete de Brasília trouxe à tona a crise financeira vivida pelo dono da vaga candanga no Novo Basquete Brasil (NBB), o Instituto Viver Esporte (IVE). A entidade deve cinco meses de direito de imagem de 2015/16 a parte do elenco. Mesmo com a confirmação do presidente do instituto, Homero Neto, de participar do Novo Basquete Brasil na temporada 2017/18, os problemas incidiram diretamente sobre as categorias de base da equipe candanga. O time sub-22 deve ficar inativo em 2017.

“O basquete de base luta a duras penas para se manter”. Assim Ronaldo Pacheco, comandante do time sub-22 do antigo UniCeub/BRB, entre 2010 e 2015, e auxiliar técnico de José Carlos Vidal no tricampeonato brasileiro do basquete local, começou a entrevista ao Correio. “A equipe sub-22, que tinha sido semifinalista da LDB (Liga de Desenvolvimento de Basquete) em 2015, não disputou a LDB 2016 porque não quiseram pagar a taxa em torno de R$ 25 mil para entrar na competição”, acusa Pacheco. Foi o primeiro ano em que a equipe candanga ficou de fora da liga criada em 2011. Nos períodos anteriores, o torneio era inteiramente bancado com recursos do governo federal. Em 2017, o grupo foi desfeito.

Em seu último ano como treinador do até então UniCeub/BRB sub-22, Ronaldo apontou diversas falhas do programa de base do IVE. “Foram inúmeras as vezes em que tentei me encontrar com a direção. Quando conseguia, não dava em nada”, lembra. No final de 2015, um relatório foi entregue à diretoria sobre o ano do time de base. O Correio teve acesso ao documento na íntegra — o qual o IVE questionou a veracidade e informou ser “parcial”.

O instituto gastou R$ 103.500 com o elenco sub-22 em 2015. O mais bem pago do time de base era o pivô Paulo Lourenço, que recebia R$ 1.500 mensais. Para efeito de comparação, Sport, Pinheiros e Minas — os outros três semifinalistas da LDB 2015 — ultrapassaram o gasto de R$ 1 milhão em 2015 com a categoria. “Eu trabalho no basquete de Brasília há 38 anos. Passei por muita coisa. Já lutei em muitas equipes que não tinham dinheiro para investir, mas acreditavam no trabalho com os garotos. Aqui, tínhamos condições de fazer um trabalho muito melhor com a base, mas essa não era a visão da direção”, desabafa Ronaldo.

Nos últimos três anos, Brasília perdeu vários talentos para outras equipes pela falta de perspectiva de futuro no time do DF. Com passagens pela Seleção Brasileira sub-17, o pivô Danilo Monteiro deixou a capital para jogar no Flamengo. O pivô Rômulo atua hoje no basquete argentino. O ala-pivô Victor Bafutto, convocado para as seleções sub-15 e sub-17, saiu para tentar a sorte na Europa. Hoje, está a caminho dos Estados Unidos sem ter tido uma única chance na equipe candanga profissional.

Mas a perda mais significativa talvez tenha ocorrido no fim de 2015, quando uma das maiores revelações da categoria de base saiu de Brasília. O ala-pivô Danilo Sena, hoje aos 18 anos, jogava no time sub-22 — mesmo tendo apenas 16 anos — e era destaque da Seleção Brasileira sub-17. “Até recebi uma proposta para jogar no Brasília adulto, mas vi que não teria tantas oportunidades. Eu ia treinar com os profissionais, mas não jogaria”, conta. Hoje, no Pinheiros, Danilo recebe quase o dobro do oferecido para continuar no DF, já integra o elenco profissional do time paulista e entrou em quadra 12 vezes no NBB 2016/17, totalizando 25 minutos e cinco pontos anotados.

Segundo o relatório apresentado por Pacheco, pior do que por falta de oportunidade no time principal, a saída de Danilo Sena foi ocasionada por “desmazelo” da diretoria do IVE. De acordo com o documento, a mãe do jogador, Cátia Sena, havia aceitado a oferta de R$ 1.500 mensais ao filho. O contrato, porém, jamais chegou às mãos dela para a assinatura. Questionada pela reportagem, Cátia preferiu não comentar o caso, e disse que a família optou pelo Pinheiros “por conta da estrutura, nível das competições e questões técnicas”.

Problemas amadores

A temporada de 2015 do time sub-22 do Brasília foi recheada de problemas, de acordo com o documento repassado por Ronaldo Pacheco. O elenco, por exemplo, possuía apenas um uniforme de treino. Os próprios jogadores levavam o material para lavar em casa e usar na manhã seguinte. Os atletas também contavam com apenas uma de jogo de cada cor, o que poderia ser um problema caso um dos uniformes rasgasse durante o jogo.

LNB/Divulgação
O relatório aponta ainda que não havia nem copos para os atletas tomarem água durante alguns treinamentos do ano. As bolas novas, enviadas pela Liga Nacional de Basquete (LNB) para o uso do time júnior, eram guardadas para os profissionais. Restavam as mais usadas. A situação só foi ser resolvida na metade final daquela temporada.

O centro universitário UniCeub afirmou ter cumprido seu compromisso com o basquete local na medida em que pagou em todas as temporadas, de forma antecipada, a verba destinado ao patrocínio do time do DF — a gestão do dinheiro, então, seria do IVE. “Nosso compromisso foi cumprido de maneira a antecipar os valores de nossa cota de patrocínio, como forma de colaborar para o bom andamento e resultados do time”, escreveu o gerente-executivo de marketing da instituição, Ricardo Costa.

Sem aproveitamento

Brasília ficou entre os quatro melhores em quatro das seis edições que disputou da LDB. Em 2015, o time só caiu nas semifinais, para o Minas. O desempenho foi superior ao de Franca e São José, por exemplo, finalistas em 2016 — Franca acabou campeã. Do time sub-22 que fez boa campanha naquela competição, cinco atletas foram inscritos no Novo Basquete Brasil (NBB). Detalhe: nenhum deles chegou a entrar em quadra no ano.

A equipe da capital federal seria a quinta a menos utilizar a base no elenco profissional naquela temporada. A filosofia não mudou muito desde então. Na última edição do NBB, Brasília tinha apenas seis jogadores formados na categoria de base foram inscritos: os armadores Pedro e Victor, os alas Paulo, Jhonny e Kelvin e o pivô Iago. Somados, eles jogaram apenas 116,3 minutos em toda a temporada. O número é quase um terço do que atuou Daniel Alemão, o veterano com menos tempo em quadra. O pivô de 34 anos se lesionou antes dos play-offs.

“Não havia continuidade do trabalho desenvolvido na LDB com o profissional, não era dada essa oportunidade. A filosofia da diretoria era apostar em jogadores renomados e a equipe principal utilizava quase todo o orçamento para trazer atletas de fora, diferentemente do que as demais equipes do NBB faziam”, acusa Ronaldo Pacheco.

Instituto nega acusação

O Instituto Viver Esporte, via assessoria de imprensa, questionou a veracidade do relatório a que o Correio teve acesso e negou as acusações de desleixo com a categoria de base feitas por Ronaldo Pacheco. Além disso, respondeu que a equipe sub-22 não acabou, e que o time ainda não treinou em 2017 por causa da ausência de competições no primeiro semestre. Segundo a nota, a equipe não disputa a LDB desde 2015 por ausência de recursos financeiros para bancar os R$ 25 mil para entrar na competição.

Quanto ao baixo aproveitamento da categoria de base no time profissional, o instituto disse se tratar de uma informação mentirosa, já que “os atletas da base constantemente são aproveitados em treinos e jogos da equipe principal”. Disse ainda que tal decisão é uma opção da comissão técnica, que tem total liberdade na montagem do elenco.

Quanto ao relatório entregue ao Correio sobre o ano de 2015 do time sub-22, o instituto acusou o documento de ser “parcial e possuir diversas divergências com a realidade”. O instituto negou também a falta de uniformes de treino, jogo e viagem para os atletas, já que foram confeccionados agasalhos e vestes de jogo na época do patrocínio com a Super Bolla. Considerou como inverdade a reclamação quanto ao uso de bolas “velhas” nos treinamentos e como “extremamente absurda” a suposta falta de copos descartáveis em treinos da equipe, “visto que eram disponibilizadas 400 unidades de copos por dia, além de cada atleta ter um squeeze doado pelo IVE”.

Com relação à perda de Danilo Sena — revelação da categoria de base — para o Pinheiros, o instituto se defendeu dizendo que a decisão de sair partiu de foro íntimo do jogador e da família. “A base do IVE tem como filosofia a formação de atletas de forma humanista, razão pela qual não se criou barreiras e não quis dificultar a transferência de um atleta que optou por outra equipe”, escreveu.

*Estagiário sob a supervisão de Leonardo Meireles