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ENTREVISTA

Após 12 anos como favorita, Daiane dos Santos fala como é viver ciclo olímpico como torcedora

Às vésperas do Rio-2016, ex-ginasta ainda lamenta medalha olímpica que não ganhou

postado em 20/04/2015 12:30 / atualizado em 20/04/2015 12:58

Jéssica Raphaela /Correio Braziliense

Rafael Ohana/CB/D.A Press

As notas iniciais da canção mais popular de Waldir Azevedo ecoam e a memória emotiva do brasileiro logo vem à tona. É hora de Daiane dos Santos. Brasileirinho foi a música que embalou o primeiro ouro do país em um Mundial de Ginástica Artística, em Anaheim, na Califórnia, em 2003. Protagonista da modalidade por 12 anos, Daiane muda de lado e vive, pela primeira vez, um ciclo olímpico como espectadora.

Aposentada desde 2012, logo após o retorno dos Jogos Olímpicos de Londres, a principal ginasta da história do país sente saudades dos momentos de glória. Tudo agora é lembrança para Daiane. A ansiedade pela competição, a criação do duplo twist carpado e do esticado, o sacrifício de competir com o tornozelo fraturado, a sensação de subir ao pódio… Mas a proximidade do evento, que há três anos era o centro da sua vida, também coloca em evidência um buraco que nunca foi preenchido na carreira: a medalha olímpica.

Favorita em Atenas-2004, após o título mundial no ano anterior, Daiane errou na apresentação no solo e terminou em quinto lugar. “Não tem como dizer que isso não faltou”, conta a ex-atleta que ainda busca se adaptar à nova rotina. Após participar de quatro Olimpíadas, ela foi contratada como comentarista de tevê e por questões contratuais não pode opinar sobre as chances da Seleção. Para preencher os dias, a ex-ginasta tenta suprir uma falha nacional, o investimento na base. Em busca de novos “Brasileirinhos”, como batizou o projeto que criou na Baixada Fluminense para descobrir talentos, Daine conversa com o Correio sobre as honras do passado e a expectativa do futuro.

REUTERS/Mike Blake
Pela primeira vez em 15 anos você está fora do ciclo olímpico. Como é viver essa etapa?
É estranho. Desde Sidney (em 2000) fui para todas as edições dos Jogos. Vou estar de fora do que vivi durante toda a minha vida. Sinto muita saudade da vida de atleta, principalmente das pessoas com quem trabalhei, atletas e treinadores. Sinto falta do clima das competições, quando eu queria ajudar o time a ganhar. Tinha aquela adrenalina. O que menos sinto saudade é dos treinos. Mas eu tinha consciência de que minha carreira como atleta era fase. É gostoso sentir essa saudade.

Como é a vida após a aposentadoria?
Achei que ficaria mais tranquila, mas está bacana, estou fazendo coisas diferentes. Sou educadora física e já tinha vontade de trabalhar com um projeto que atendesse crianças, por isso criei o Brasileirinhos. Depois disso, muitas portas se abriram. Hoje sou comentarista, coisa que nunca tinha pensado em fazer e estou adorando. Também dou palestras motivacionais e workshops. Fiz um estágio como treinadora, mas tem gente muito melhor do que eu para ensinar.

Você se sente satisfeita com sua carreira?
Eu consegui ir além do que eu imaginei. Conquistei uma medalha mundial. A única coisa que faltou foi uma medalha olímpica. Fui a primeira brasileira a chegar a uma final (da ginástica) dos Jogos, mas a medalha nunca veio. Não tem como dizer que isso não faltou.

Qual foi seu momento preferido na ginástica?
Teve vários momentos especiais. O Mundial de Anaheim (na Califórnia) foi inesquecível. Não só pela medalha inédita que consegui, mas principalmente pelo grupo. Era um time muito especial, tanto as ginastas quanto os treinadores. Foi um grupo bom de trabalhar. O ciclo olímpico de Atenas foi especial.

E qual sua maior frustração?
Aconteceu nas Olimpíadas de Atenas. Eu era a favorita ao ouro, mas não consegui medalha. Eu queria uma coisa e acabou acontecendo outra. Mas faz parte do esporte, num dia você ganha e no outro, perde.

Você sentiu muita pressão da torcida após ter voltado sem a medalha olímpica?
As pessoas querem que você chegue em primeiro. Se chegar em segundo ou terceiro, não é visto com os mesmos olhos. O Brasil não tem muitos ídolos no esporte. E a culpa disso, com certeza, não é do torcedor. Mas acho que isso mudou, as pessoas têm conseguido entender o trabalho que é preparar um atleta e o quanto esse atleta quer ser o primeiro. Mas sempre vai ter só um campeão. E é isso (o ídolo campeão) que as pessoas querem.

Como lidar com esse tipo de pressão?
O trabalho psicológico a gente aprende no dia a dia. Mas é necessário o acompanhamento de um psicólogo para aprender a lidar com a pressão e as ansiedades, canalizar essa energia e reverter isso de forma positiva. O Brasil tem feito trabalhos com psicólogos e isso é importante, porque não são todos os atletas que têm a formação psicológica forte. O atleta se pressiona muito.

E qual era o seu perfil como atleta?
Eu era muito ansiosa e hiperativa. Não parava um segundo sequer. Os psicólogos me ajudaram muito a canalizar isso. Se for controlada, a ansiedade se torna uma qualidade.

Você teve a carreira marcada por lesões...
Lesão faz parte. É muito difícil um atleta não ter lesão, o que conta mesmo é o grau da lesão. Pode ser leve, uma contração, um estiramento, ou grave, como uma fratura, que exige cirurgia. São coisas que o atleta também aprende a lidar. É uma hora em que a gente pensa muito no futuro, até onde conseguiremos ir com essa lesão. Por isso, é preciso ter uma cabeça boa e o apoio da família e dos amigos, senão não dá para aguentar.

Você sentia muita dor?
Muita, mas aprendi a controlar um pouco. Ainda assim tem dores insuportáveis, tão extremas que você não consegue ignorar. No Mundial da Alemanha em 2007, que dava vaga para a Olimpíada de Pequim, eu estava com o osso do tornozelo quebrado, mas tinha de competir. Era a final por equipe e eu tinha de ajudar as meninas a conseguir a vaga nos Jogos. A gente teve um bom resultado, o que mostra que valeu a pena. Mas, se você me perguntar como eu consegui fazer isso, eu não sei explicar. Acho que a adrenalina do momento me ajudou a suportar a dor ao máximo.

Quais foram as lesões mais graves?
Tive duas bem sérias, essa do tornozelo, que levou muito tempo de recuperação, e a do joelho, que foi a mais séria porque durou muitos anos. Fiquei com a lesão por cinco anos, até finalmente decidir operar. Quando fui fazer a cirurgia, o grau da lesão estava muito alto. Isso foi depois de Pequim, quando eu estava me preparando para competir em Londres. Foi uma lesão bem séria, que me rendeu quatro cirurgias.

Quando você voltou de Londres, descobriu outra lesão, no joelho esquerdo. Essa foi a principal razão da aposentadoria?
Não foi por causa da lesão. Em Pequim, eu já estava no impasse, se eu encarava mais uma Olimpíada ou não. Na época, eu era do Pinheiros e o clube fez um programa para levar 64 atletas aos Jogos. Foi o clube que mais levou atletas para Londres. Eu ia ficar parada durante dois anos por causa de uma lesão, e eles já sabiam disso, mas me ampararam e me deram condições de encarar a quarta edição. Então, desde que saí de Pequim, em 2008, eu já estava digerindo a aposentadoria, até chegar o dia. Foi uma decisão bem madura, mas é muito difícil deixar o esporte.

Como é a sua relação com as atuais atletas da Seleção?
Tenho muito contato com a Dani (Hypolito), a Jade e as meninas com quem treinei por muitos anos. Nós temos um grupo no Whatsapp, marcamos encontros por lá. Já as gurias mais novas, às vezes consigo vê-las e conversar, principalmente as de Curitiba e as do Flamengo, locais onde treinei, porque conheço algumas delas desde pequenas.

Qual a sua avaliação do primeiro ano do projeto Brasileirinhos?
Aprendi bastante este ano e estou esperançosa com os rumos do projeto. Recebo resposta dos pais e das crianças que fazem aula e é fantástico. Meu trabalho é como gestora. Um vez por mês, vou lá para acompanhar o trabalho, converso com os pais, as crianças falam comigo. Mas não ministro os treinos, só dou algumas dicas às vezes.

Seu esforço no projeto é em prol da base do esporte. Você acha que o país tem dado valor suficiente a essa categoria?
Sem a base não tem futuro e o Brasil está um pouco atrasado nisso. Tinha de ter uma ligação maior entre esporte e educação. Quanto mais esportes as crianças puderem conhecer na escola, mais atletas teremos. Poucos clubes dão abertura para crianças. Se você for a uma comunidade, tira pelo menos um atleta de cada esporte. Esse diamante precisa ser descoberto para que possa ser lapidado. Os projetos sociais cobrem essa brecha, que ficou aberta por muitos anos. Mas ainda faltam oportunidades e trabalhos sérios, que consigam levar a formação dos atletas adiante. Acho que essa é a nossa saída para termos mais ídolos no esporte.