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Petrúcio Ferreira, do atletismo: "As crianças me veem como inspiração"

Paraibano superou dificuldades, se tornou um dos principais para-atletas do país e coleciona fãs, principalmente entre o público infantil

postado em 25/04/2017 06:00 / atualizado em 25/04/2017 10:18

Daniel Zappe/MPIX/CPB
 

“Em Cristo encontrei perdão, no atletismo, a superação.” A frase, tatuada no antebraço de Petrúcio Ferreira, explica um pouco da vida do campeão e recordista paralímpico dos 100 metros, nos Jogos do Rio, na classe T47 — atletas amputados de um braço, acima ou abaixo do cotovelo —, com o tempo de 10s57.
“Perdão” ao ouvir, pela primeira vez, da boca do pai, aos 19 anos, a história do acidente que tirou uma das mãos do menino de 2 anos de São José do Brejo do Cruz, na Paraíba, a 430km da capital, João Pessoa. “Superação” todos os dias, motivada, em especial, pelos fãs da cidade natal. Um admirador mirim, por exemplo, até fez questão de arrancar o braço de um boneco para homenagear o ídolo.
Em entrevista exclusiva ao Correio, Petrúcio, de 20 anos, revelou o desejo de bater os 10s46 do irlandês Jason Smyth, atleta paralímpico mais rápido de todos os tempos, e comentou sobre o futuro no esporte e a precocidade do sucesso. Ele se esquivou, porém, sobre a troca na presidência do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB).
Petrúcio e outros medalhistas paralímpicos disputaram, de sexta-feira a domingo, a primeira competição pós-Paralimpíada do Rio de Janeiro. O Open Internacional da Caixa ocorreu no Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro, em São Paulo. O paraibano conquistou a vaga nos 100m e nos 200m do próximo Mundial de Para-atletismo, em junho, na cidade de Londres.

Você é inspiração para muita gente. Tem alguma história de fã que você guarda?
Na minha cidade, uma criança cortou o braço do boneco para dizer que era o boneco do Petrúcio. Lá em São José do Brejo do Cruz, as crianças gostam muito de mim, pedem para tirar foto e tudo mais, mas isso eu nunca tinha visto… O pai veio me dizer que ele fez isso. Fico muito feliz, me motiva ainda mais a me dedicar no dia a dia, dar meu melhor. É ótimo saber que sirvo de exemplo para várias crianças. O menino quebrou o boneco dele só para dizer que era eu, é muita alegria para mim.

Após se destacar em Londres, Alan Fonteles (ouro nos 200m, classe T43) deu uma caída em termos de rendimento e forma física. Acha normal? Tem receio de acontecer com você?

Depois dos Jogos, eu me motivei mais ainda, representei meu país em casa, saí com a sensação de dever cumprido, me motivou ainda mais. Eu amo correr. A corrida é algo sério, mas levo como uma brincadeira.

 

"A corrida é algo sério, mas levo como uma brincadeira"

 

Há quanto tempo pratica atletismo? Como começou no esporte?
Gostava de futebol, mas conheci o atletismo há apenas três anos. Não tenho nem dois anos inteiros de treinamento, comecei em fevereiro de 2014. Fui descoberto jogando futsal, e o Ricardo Ambrózio, que organizava os Jogos Paralímpicos lá na Paraíba, achou que eu tinha futuro no atletismo, longe da bola. E já comecei ganhando minhas primeiras provas. Quando me tiraram do futebol, encarei como uma novidade, deu certo. Se eu passo dois, três dias sem entrar na pista, fico muito triste, querendo chorar.

Nos Jogos do Rio, deu a impressão de que você poderia ter vencido os 400 metros... (terminou com a prata)

Era para eu ter ganhado o ouro nos 400m também, mas não confiei em mim mesmo. Meu técnico pediu para eu fazer uma coisa e fiz outra, mas eu amo mesmo são o 200m, mais que os 100m.

Mas você ficou famoso pelo desempenho nos 100m...

É uma prova muito tensa, ganha quem erra menos. No Rio, foquei nos 100m, e nos 400m, cheguei na hora lá e corri, dava para ganhar e vacilei. Mas os 400m são só aventura.

Você ainda tem 20 anos. Acha que vai participar, em alto nível, de quantas Paralimpíadas?

Depende, sou muito novo ainda, tem que ver como será minha preparação. É feito uma laranja, se você espreme tudo de uma vez, acaba rápido, se você espreme aos poucos, vai saindo sempre alguma coisa.

Para você, qual foi a imagem que os Jogos do Rio de Janeiro deixaram?
Algumas crianças que viam pessoas com deficiência ficavam com medo, aconteceu comigo. Chego à minha cidade e elas nem ligam mais para a deficiência, me veem como atleta, inspiração, isso é muito legal. Muitas mães escondem filhos deficientes, isso tem que mudar. Sinto que tenho um pouco esse papel, as pessoas têm que ser vistas.

Como seus pais criaram você no que diz respeito à deficiência? Eles o blindavam?

Minha mãe nunca me escondeu, sempre me disse que eu era igual a todos. Eu chegava da escola perguntando por que os meninos todos tinham duas mãos e eu uma só. Ela, mesmo com dor no coração, fazia questão de explicar. Eu já cheguei a pedir para a minha mãe comprar uma mão para mim, para ficar igual aos outros. Ela me explicava que não vendia. Conheço um rapaz que perdeu três dedos e anda só com a mão no bolso. Na escola, quando eu via que tinham medo da minha mão, eu corria atrás, para fazer mais medo (risos).

Como foi o acidente que o fez perder a mão?

Meu pai trabalha com agricultura e pecuária. Em alguns dias, eu ia com ele. Eu ficava num tanque enquanto ele moía capim para alimentar as vacas. Uma hora, ele foi fazer alguma coisa longe de onde eu estava, consegui sair do tanque e fui tentar imitar o que meu pai fazia, colocando o capim dentro da máquina, mas minha mão foi puxada junto e decepada, fiquei preso lá. Meu pai disse que voltou correndo, desesperado, chorando e gritando, não sabia o que fazer. Ele se sentiu culpado por muito tempo, achando que tinha acabado com a minha vida.

 

"Eu já cheguei a pedir para a minha mãe comprar uma mão para mim, para ficar igual aos outros"

 

E ele se recuperou desse trauma?
Imagino que a pior coisa disso tudo foi ele continuar trabalhando no lugar daquela cena por vários anos, se culpando. Mas, quando ele me viu competindo, vencendo, representando meu país, teve coragem de falar comigo sobre o assunto e superar. Ele não acha mais que estragou a minha vida. Só foi contar a versão dele do que aconteceu, para mim, após os Jogos do Rio de Janeiro (nesse momento, Petrúcio se emocionou).

O CPB está sob novo comando. O que achou da troca?

Isso é um assunto que eu prefiro não comentar, uma pergunta complicada. Não é um momento bom para responder, ainda está tudo muito recente. A administração está começando agora, não sei responder.


O irlandês Jason Smyth é o velocista que registrou, até hoje, o menor tempo em uma prova paralímpica de 100m (10s46 em 2012, nos Jogos de Londres). Você mira essa marca?
Quero bater esse tempo, acho que tenho condições. Uma vez, quase ganhei dele, mas me lesionei no meio da prova, a pista era ruim, um circuito montado. Mesmo terminando a disputa pulando com um pé só, fiz 10s81, estava lado a lado com ele. Faltavam 20 metros para acabar a prova, eu estava muito veloz. Ele já treina há mais de oito anos, eu tenho condições de chegar.

Agora, você é visado pelos concorrentes. Acredita que até os Jogos no Rio era tratado como surpresa?

Era sim… Nos Jogos, fui surpresa. Foi surpresa até para mim. Meu técnico me treinou tão bem que nem eu sabia do meu potencial. Agora, procuro não pensar que estou visado, senão, me pressiono. É chegar lá e brincar de correr.

Você foi eleito o melhor atleta paralímpico de 2016. Como foi a sensação quando recebeu o prêmio?
Eu nem acreditei. Estava concorrendo com o Daniel Dias, Jefinho do futebol de 5, foi uma surpresa muito boa. Quando chamaram o meu nome como vencedor, fui tremendo, não sabia o que falar, tinha treinado um discurso e, na hora, eu esqueci tudo. Levei a minha mãe, foi bem bacana. A produção do prêmio já tinha dito para ela que eu estava muito cotado para vencer, e ela não me disse nada.



*Estagiário sob a supervisão de Cida Barbosa