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"O Mané Garrincha é um excesso", diz Walter Feldman, secretário-geral da CBF

Dirigente afirma que CBF não salvará elefantes brancos, detona Romário à frente da CPI e jura não temer nada. Ele descarta ainda a ressurreição da Copa Sul-Minas

Karina Zambrana/ASCOM - 4/6/13
 

 

Aos 61 anos, o médico e político paulista Walter Feldman define a carreira dele assim: “A minha vida sempre foi acompanhada de crise. Nunca tive grandes momentos de bonança”. Não seria o futebol que daria trégua ao secretário-geral da Confederação Brasileira de Futebol. Coordenador da campanha de Marina Silva à Presidência da República nas últimas eleições, Walter Feldman foi ao encontro do olho do furacão e topou o desafio de ser o braço direito do presidente eleito da CBF, Marco Polo Del Nero.

Feldman não caiu de paraquedas no cargo. Havia sido secretário de Esporte de Gilberto Kassab na prefeitura de São Paulo. Além disso, foi nomeado secretário especial de Articulação de Grandes Eventos. Esteve nos Jogos Olímpicos de Londres-2012, em jogos da Liga dos Campeões da Europa e em Wimbledon como observador.

Em entrevista ao Correio, Walter Feldman diz que a ditadura, o movimento pelas Diretas Já, a morte de Eduardo Campos e a parceria com Marina Silva deram a ele a experiência suficiente para lidar com o vendaval que atinge a Fifa e a CBF. Sem medo de um possível tsunami causado pela Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Senado, ele ataca Romário, presidente da CPI. O Baixinho não é o único alvo. No bate-papo, sobrou para o Estádio Mané Garrincha — chamado por ele de “excesso”, para não dizer elefante branco — e para a rebeldia da dupla Fla-Flu. No que depender da CBF, a Copa Sul-Minas dificilmente sairá do papel.

A opinião pública é mais dura com político ou com dirigente de futebol?

Estamos vivendo um momento difícil do ponto de vista das críticas à CBF. Nós quase não temos sossego. A agenda positiva é rapidamente transformada em negativa. Há uma sensação de que não é possível esse modelo continuar e de que temos de mudar radicalmente, se contrapondo à lógica do Brasil. Estamos querendo criar uma transição para um novo futebol brasileiro, mas não temos grande parte da simpatia, particularmente da imprensa. Há uma rejeição até mesmo a medidas inovadoras, modernizantes, como o fim do mandato infinito. Quando um governo entra, costuma dar 100 dias de trégua. Não estou acostumado com essa diferença no futebol.

Em 2014, o seu papel era eleger Marina presidente. Agora, é ser para-raios do Marco Polo Del Nero na CBF. É o maior desafio da sua carreira?

Eu enfrentei situações de crise durante toda a minha vida. Vivi a crise da reconstrução de São Paulo depois da ditadura militar. Vivi o longo período da ditadura como militante de esquerda, vivi a construção democrática na luta pelas Diretas, participei da crise causada pela morte do Eduardo Campos, quando Marina Silva vira candidata...

Isso o credencia a virar o jogo na CBF?
Eu vim para a CBF em um momento relativamente tranquilo até os acontecimentos na Fifa. A minha vida sempre foi acompanhada de crise. Nunca tive grandes momentos de bonança. É mais um desafio. Eu acredito no Marco Polo Del Nero.

Quando Del Nero voltará a fazer viagens internacionais?
Quando aconteceram os problemas na Suíça, o presidente Del Nero tomou uma decisão de vir para o Brasil, responder a todas as questões e continuar aceleradamente o processo de modernização do futebol. Ele tomou isso para si como a tarefa dele. Ele diz que, enquanto essas questões não estiverem resolvidas (investigações na Fifa), ele vai se dedicar ao Brasil de forma prioritária.

A CBF está pronta para encarar a CPI?
Não temos nenhum temor em relação a isso. Nós apresentamos documentos ao Ministério Público Federal, nós nos colocamos à disposição do Ministério da Justiça e da Polícia Federal.

E o senador Romário? Há um temor em relação a ele?
É evidente que as manifestações prévias, parciais, que são manifestadas particularmente pelo presidente da CPI demonstram um nível de parcialidade e prejulgamento que não correspondem à função que ele exerce. Eu diria que é uma agressão à Constituição, que prevê a presunção da inocência. Para a estrutura democrática do país, isso é inaceitável.

Romário persegue a CBF?
Alguém que, como presidente da CPI, fala que a única intenção é prender, manifesta que o presidente da CBF tem aqueles adjetivos todos que ele usa, não pode ser presidente de uma CPI. No Brasil, se condena rápido. Ele foi vítima agora de denúncias e viu que não se age assim. Até nada ser comprovado, ele tem o direito de se defender.

As contratações do Ronaldinho pelo Fluminense e do Guerrero pelo Flamengo não estão na contramão do movimento de negociação das dívidas dos clubes?

A medida provisória não é a salvação do futebol brasileiro, é um caminho. Essas medidas de contratações levaram ao endividamento e à falência de alguns clubes. Há pressão da torcida, do resultado, do futebol em campo, e as dívidas vão ficando para os próximos gestores. A MP não deixa mais fazer isso. Cada contratação, agora, terá de ser muito bem pensada.

O senhor é favorável à adaptação do calendário do futebol brasileiro ao europeu?
O calendário é uma questão muito complexa em um país continental como o nosso. Essa engenharia é extremamente complexa. A CBF tinha seis competições nacionais. Hoje, são 13, incluindo os torneios de base, feminino, Copa Nordeste, Copa Verde, Copa do Brasil, Brasileiro, tudo organizado pela CBF. Dentro disso, há a questão do financiamento do futebol. O patrocínio, a transmissão... São realidades diferentes, mas estamos abertos ao debate.

Quando será esse “debate”?
Em janeiro, nós vamos convocar o primeiro Congresso do Futebol Brasileiro. É a primeira grande abertura a um debate nacional. O calendário é um dos temas que será discutido.

A CBF apoia a reinvenção da Copa Sul-Minas com as presenças da dupla Fla-Flu?
Não há como. Falam-se em 15 datas. Para você realizar o Sul-Minas é preciso mexer no calendário dos estaduais, ou do Brasileiro, ou da pré-temporada, que passou a ter 30 dias, e é uma conquista. Qualquer mudança pode ser para melhor, mas vai mexer no sistema. Com Flamengo e Fluminense complica mais ainda. Estamos tentando superar os problemas entre os dois clubes e a Federação do Rio.

O presidente do Grêmio lidera um movimento pela volta do mata-mata. O senhor aprova?
Todos os modelos estão atendidos. O Campeonato Brasileiro por pontos corridos e a Copa do Brasil no sistema de mata-mata. A combinação é equilibrada. Para a televisão, a volta do mata-mata seria genial do ponto de vista da expectativa, da tensão constante, mas há uma compreensão de que os pontos corridos também cumprem o seu papel. Não é fácil mudar isso, mas colocaremos as cartas na mesa nesse congresso de janeiro.

O senhor aprova a criação de uma Liga Nacional como a Premier League, por exemplo?
São características europeias. Tentamos isso com o Clube dos 13 e não deu certo (Copa União). A CBF acaba de criar uma Comissão Nacional de Clubes, com representantes de times de todas as divisões, articulada com a CBF, mas com autonomia, independente, então esse me parece ser o caminho mais adequado. A Liga virou uma luta política contrária à CBF.

De que forma a CBF pretende ajudar as arenas deficitárias construídas para a Copa?
Os excessos têm limite. A CBF não pode salvar tudo. O Estádio Mané Garrincha, de Brasília, foi um excesso. Brasília tem um estádio para 70 mil pessoas, isso é difícil de resolver. Os clubes do Brasil que jogam aí fazem uma compensação parcial do acúmulo de dívidas que a cidade contraiu. Desde o início, a gente sabia que não havia necessidade de Brasília ter um estádio desse tamanho. Nenhum estado brasileiro tem essa capacidade. São Paulo e Rio não têm isso, por que Brasília teria? O Mané Garrincha só tem menos capacidade do que o Maracanã! É acreditar que Flamengo e Corinthians jogariam aí toda semana. Houve um excesso.

O futebol brasiliense tem apenas um clube no Brasileirão, e na quarta divisão. Há saída?
O trabalho de sustentação do futebol daí não pode ser aos soluços ou esperar o surgimento de um fenômeno que o mantenha, como foram Gama e Brasiliense naquele período de 1999 até 2005.

O Brasil não terá o Neymar contra o Chile e a Venezuela. Depois da Copa América, o senhor disse que se arrependeu de não ter entrado com o recurso para diminuir a pena do Neymar. A sua posição continua?
O Jurídico está tomando conta disso. Naquela oportunidade, o pessoal da Seleção precisava tomar uma decisão imediata e tomou. Não queríamos criar instabilidade para a equipe e agora os recursos estão sendo feitos.

O senhor é a favor de um técnico estrangeiro?
Não há necessidade. Às vezes, o Brasil tem um certo encantamento pelo exterior. Há uma linha de questionamentos segundo a qual um treinador de fora faria bem à Seleção. Não vejo assim.

Qual é o seu sentimento em relação ao 7 x 1? Teme que o Brasil fique fora da Copa de 2018?
Aquele momento para mim foi angustiante. Tive vontade de entrar debaixo do sofá, virar um tatu-bola. Mas eu sou uma pessoa que gosto da crise. É um momento de agonização dos processos que vinham acontecendo. Não temo que o Brasil fique fora da Copa.

Como o senhor analisa o processo de sucessão do presidente Joseph Blatter na Fifa?
Está aberto. O Michel Platini é um antigo militante da organização do sistema mundial do futebol. O Zico está se colocando, Maradona, o príncipe da Jordânia. Ainda é cedo para um posicionamento por parte da CBF.

A CBF apoia oficialmente o Zico ou é apenas um protocolo?
O presidente (Marco Polo Del Nero) respeita o Zico, tudo o que ele fez pelo futebol, mas considera que ele precisa se legitimar para conseguir o apoio da CBF e de outras quatro federações. A sugestão feita a ele é que conquiste os outros quatro apoios e ele não terá dificuldade em relação à CBF.

“Alguém que, como presidente da CPI, fala que a única intenção é prender, manifesta que o presidente da CBF tem aqueles adjetivos todos que ele usa, não pode ser presidente da CPI”


“Não há como (apoiar a Copa Sul-Minas). Não é tão simples. Com Flamengo e Fluminense complica mais ainda. Estamos tentando superar os problemas entre os dois clubes e a Federação do Rio”


“Os excessos têm limite. A CBF não pode salvar tudo. O Estádio Mané Garrincha, de Brasília, foi um excesso. Brasília tem um estádio para 70 mil pessoas. É acreditar que Flamengo e Corinthians jogariam aí toda semana”

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