Futebol Nacional

HOMOFOBIA

Torcidas começam a abolir gritos homofóbicos nos estádios

Organizada do Paysandu levou bandeira arco-íris para as arquibancadas

postado em 30/05/2017 12:30 / atualizado em 30/05/2017 12:45

AFP/Glyn Kirk
Quem frequenta os estádios de futebol pelo Brasil ou assiste às partidas pela tevê lamenta que uma herança maldita se firmou nas arquibancadas como legado negativo da Copa do Mundo de 2014. A “moda” foi lançada pela torcida mexicana durante o Mundial: todas as vezes que o goleiro adversário vai bater um tiro de meta para recolocar a bola em jogo, boa parte da torcida grita “bicha”. A prática homofóbica começa a ganhar resistência em algumas torcidas organizadas dos clubes brasileiros.

A torcida Banda Alma Celeste, uma das principais organizadas do Paysandu, é uma das precurssoras no combate à homofobia. Em uma nota oficial, em 29 de abril, a entidade afirma que “errou durante vários anos” ao cantar “o leão é gay”, em referência à mascote do Remo, maior rival do Papão. No mesmo comunicado, a torcida afirma que excluiu do repertório das arquibancadas qualquer canto homofóbico.

Além de colocar os gritos preconceituosos para fora dos estádios, a torcida promoveu algo incomum nas arenas do futebol brasileiro. Na partida contra o Santos pelas oitavas de final da Copa do Brasil, em 10 de maio, a organizada estendeu o bandeirão do arco-íris, símbolo do orgulho gay, nas arquibancadas do Mangueirão.

A ação foi um pedido do Governo do Estado do Pará, que promovia uma ação em alusão ao Dia Internacional de Combate à Homofobia, lembrado em 17 de maio. “Recebemos ameaças, muitos torcedores do Paysandu e rivais falavam que só queríamos mídia e dinheiro”, disse José Fidélis, responsável pela comunicação da Banda Alma Celeste. Apesar da intimidação, a torcida não sofreu sanção na partida diante do Internacional, no último sábado.

Para Fidélis, a torcida está levantando uma discussão importante não só no âmbito esportivo. “Sabemos que isso não vai mudar da noite para o dia, mas temos que chamar a atenção. Lembrar que existem homossexuais no estádio e eles nos ajudam a fazer a nossa festa e têm que ser acolhidos. Sinto que estamos evoluindo como torcedores e como seres humanos”, comentou.
 
Não são apenas jogadores do futebol masculino que sofrem com os insulttos homofóbicos. No torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de 2016, a norte-americana Megan Rapinoe reclamou da torcida brasileira em entrevista ao jornal Los Angeles Times. “É pessoalmente doloroso. Creio que seja algo do comportamento coletivo que toma conta das pessoas”, desabafou a meia, em referência aos gritos de “bicha” proferidos pela torcida quando ela pegava na bola. Os insultos foram no duelo dos EUA diante da Nova Zelândia, em Belo Horizonte.

CBF é reincidente 

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) foi punida três vezes por motivo de homofobia. As sanções ocorreram após as partidas diante da Bolívia, Colômbia e Paraguai, todas pelas Eliminatórias para a Copa de 2018. Somando todas as multas aplicadas pela Fifa, a CBF desembolsou cerca de R$ 252 mil. Além disso, os estádios que receberam as partidas — Arena das Dunas, Arena da Amazônia e Arena Corinthians, respectivamente —, correram risco de serem proibidas, por tempo indeterminado, de receberem partidas da Seleção Brasileira.

Segundo o presidente do Comitê Desportivo Brasileiro de Lésbicas, Gays, Bissexuais,Transexuais e Transgêneros (CDLGBT), Érico Santos, a impunidade era o principal fator para que as torcidas continuassem com a prática. “De uns tempos para cá, passou a ter punição. Os infratores começaram a sentir no bolso”, opinou. Além da conscientização para evitar sanções, o presidente acredita que a sociedade evoluiu. “O pessoal está enjoando disso, está ficando chato. O futebol é cada vez mais inclusivo, deixou de ser tabu”, avalia Érico, torcedor do Corinthians. 

Motivos insólitos na Mancha

AFP/Nelson Almeida
A maior organizada do Palmeiras decidiu parar de gritar “bicha” quando o goleiro adversário bate o tiro de meta. Os membros mais influentes, inclusive, censuram algum torcedor que grite no estádio. A medida foi colocada em prática nos três últimos jogos do time no Allianz Parque, diante de Vasco, Internacional e Atlético Tucumán. Porém, a homofobia não foi o fator que motivou os integrantes da facção a derrubar a “moda”.

Segundo o líder da filial da torcida em Brasília, os gritos não tinham a intenção de agredir os homossexuais. Um dos fatores para que o ato fosse abolido das arquibancadas palmeirenses é que alguns torcedores deixam de cantar as músicas de apoio ao Palmeiras para gritar “bicha” no tiro de meta. “Isso atrapalha a bateria da torcida, alguns param de apoiar o time. Mas, para mim, isso não tem nada de homofóbico, era só para distrair o goleiro adversário”, argumenta Deivid Araújo. Outro motivo que teria contribuído para o fim do gesto é que a torcida do Corinthians foi a pioneira da prática em estádios brasileiros.

Porém, em nota lançada em uma rede social na noite dessa segunda-feira (29/5), a Mancha Verde afirmou que nunca foi favorável aos gritos homofóbicos, que são classificados pela torcida como “herança do futebol moderno deixada pela Copa do Mundo”. O comunicado dizia, ainda, que não tem a intenção de se envolver com nenhum assunto relacionado a política, religião e sexualidade.

Membros da Mancha afirmam que os gritos nunca saíram dos setores destinados às organizadas. Porém, a equipe do Correio esteve no Allianz Parque na partida de volta da semifinal do Campeonato Paulista, diante da Ponte Preta, e presenciou torcedores uniformizados gritando insultos homofóbicos. 
 
Grito homofóbico da torcida do Atlético-MG: