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Há 50 anos, Raul Plassmann, do Cruzeiro, estabelecia recorde mundial de invencibilidade entre goleiros

Ídolo do Cruzeiro, goleiro Raul Plassmann ficou onze jogos sem sofrer gol

postado em 18/05/2019 07:00 / atualizado em 18/05/2019 12:19

<i>(Foto: Luiz Alfredo/O Cruzeiro/EM)</i>
Um dos principais ídolos do Cruzeiro, o goleiro Raul Plassmann, de 74 anos, tem uma trajetória de conquistas e feitos históricos alcançados pelo clube. E neste sábado, dia 18 de maio, completam-se 50 anos que o jogador estabeleceu um recorde mundial. Na ocasião, o cruzeirense chegou a 1.016 minutos sem ser vazado, um total de onze partidas. O gol que quebrou a invencibilidade foi marcado por Evanir, do Democrata-SL.

Em entrevista ao Superesportes, Raul Plassmann relembrou detalhes de quando alcançou o recorde mundial, em 1969. A marca durou até o início de 1971, quando Jorge Reis, do Rio Branco-ES, o superou. O capixaba, atualmente o terceiro na lista de goleiros com maior tempo sem sofrer gol, ficou 1.604 minutos sem ser vazado. 

“Cinquenta anos se passaram. Me lembro vagamente do jogo com o Democrata-SL. Foi um gol no segundo tempo, no gol da Lagoa, no Mineirão. O recorde foi muito importante para a época. O futebol era muito ofensivo, todos os placares dilatados. Hoje, o futebol é muito mais de marcação, voltado para o setor defensivo. Na época era muito complicado você chegar a uma marca como essa. Foi bacana. Muito bom. Um momento especial”, declarou.

O ex-goleiro lembrou também a repercussão que seu feito teve na época. Na ocasião, o jornal Estado de Minas (veja galeria abaixo), dedicou páginas para noticiar o grande marco de Raul. “O mundo era menor sem internet (risos). Se o recorde fosse hoje seria algo bem maior. Na época não tínhamos internet, sem comunicação rápida e instantânea como se tem hoje. É claro que houve o conhecimento em todo esse globo aqui, mas de uma forma bem amena. Não chegou a ser um acontecimento. Hoje seria. Tanto é que está se transformando em um acontecimento por você, do Superesportes, estar me ligando para chamar atenção sobre isso. Hoje, o recorde tem uma importância, porque a imprensa cobre tudo. Hoje está repercutindo mais que naquela época”. 



Na época, Raul Plassmann ficou onze partidas sem sofrer um gol sequer (veja a lista completa no fim da matéria). O Cruzeiro disputou um amistoso e dez partidas do Campeonato Mineiro. E se engana quem pensa que a Raposa disputou apenas jogos fáceis. Naquela série invicta, o clube celeste superou, por exemplo, os rivais Villa Nova, América e Atlético. O clube alvinegro contava com o faro de gols do atacante Dadá Maravilha. O goleador atleticano terminou o ano com 58 gols, temporada mais artilheira de sua carreira. 

“Isso tudo valoriza mais ainda a conquista, a marca. Isso valoriza sempre. Não foi jogando contra ninguém. Isso coloca um valor muito grande em cima dessa marca. Eu conquistei uma marca que é expressiva, porque os adversários eram bem qualificados. Então, isso valoriza muito o feito”, disse Raul.

De acordo com o Almanaque do Cruzeiro, ao alcançar o recorde mundial, Raul superou o goleiro Roma, do Racing, que ficou 781 minutos sem sofrer gol. O cruzeirense bateu a marca do argentino no dia 11 de maio de 1969, em vitória por 1 a 0 sobre o Democrata-SL, com gol de falta de Zé Carlos. 

Uma semana após alcançar o recorde, no dia 18 de maio, o goleiro sofreu o gol que estabeleceu o feito em 1.016 minutos. O responsável foi o atacante Evanir, do Democrata-SL, aos 42 minutos do segundo tempo. Na partida, que terminou com vitória celeste por 3 a 1, Raul ainda defendeu um pênalti cobrado por Valdoci.

O feito de Raul colaborou para o triunfo invicto do Campeonato Mineiro pelo Cruzeiro. O time terminou a competição com a melhor campanha. Em 30 jogos, a Raposa conquistou 56 pontos com 26 vitórias, quatro empates e nenhuma derrota.

Naquele Mineiro, a equipe comandada pelo técnico Gérson Santos se caracterizou por ter um futebol com prioridade ofensiva, com o ataque comandado por Dirceu Lopes e Tostão. Já a defesa era liderada principalmente por Raul e Piazza.

O clube terminou a campanha do Estadual com o segundo melhor ataque, com 67 gols marcados (um a menos que o Atlético), e a melhor defesa, com seis gols sofridos. A segunda melhor defesa foi a do vice-campeão Atlético, que sofreu 18 gols. 

O Cruzeiro também teve uma boa campanha na Taça de Prata de 1969, correspondente à Série A do Campeonato Brasileiro. O clube mineiro terminou a competição em segundo lugar. A diferença para o campeão Palmeiras foi mínima. Os dois times terminaram o quadrangular final com a mesma pontuação. Entretanto, os paulistas ficaram com dois gols de saldo, um a mais que os mineiros.

Recorde atual 

Atualmente, o recorde pertence a outro brasileiro, o goleiro Mazaropi, que ficou 1.816 minutos invicto pelo Vasco, de 1977 a 1978. Dentre os jogadores que ainda atuam profissionalmente, a melhor marca também é brazuca. Em 2016, o arqueiro Emerson Santos ficou 1.008 minutos sem ser vazado na campanha do Paysandu na Série B do Campeonato Brasileiro.  Hoje, ele defende o Londrina-PR. 

Mentalidade tática atual

Para Raul Plassmann, o futebol do século passado era mais ousado e ofensivo. O ex-goleiro, hoje funcionário do departamento de marketing do Cruzeiro, criticou a atual mentalidade tática das equipes. O próprio clube mineiro vem sofrendo críticas com o técnico Mano Menezes por priorizar mais o sistema defensivo que o ataque.   

"Acho que o futebol mudou muito. Acho que existe um exagero e preocupação na marcação. Futebol hoje é dinâmico, time ataca com todos e defende com todos. A preocupação de marcação me parece excessiva, tirando um pouco da agressividade. Falo de uma maneira geral, não do Cruzeiro. Os times jogam com três atacantes, mas os dois de lado de campo vêm marcar lateral. Vêm marcar subida do lateral adversário encostando nos dois laterais do próprio time. Joga-se com quatro laterais praticamente. Dois de origem e dois atacantes que voltam para auxiliar marcação com os dois laterais. É muita marcação. Poderia haver mais ousadia. O mundo inteiro joga dessa forma. Os atacantes recuam até a bandeirinha de escanteio para marcar. Fico até brincando, me perguntando: ‘Será que sou o único certo, mais uma meia dúzia, ou os técnicos do mundo inteiro estão certos ao fazer esse tipo de marcação?’ O mundo inteiro marca dessa forma, voltando com todos. Aí tem também um desgaste muito grande da parte física, já que desgasta demais os atacantes. E você precisa deles lá na frente. Isso é polêmico. Discutível. Mas cada um tem sua cabeça" explicou. 

Outros trechos da entrevista com Raul Plassmann:

Você entrava em campo sabendo do recorde que viria a alcançar? Ou só se deu conta quando o estabeleceu? 

Sabia que havia possibilidade de recorde. A imprensa noticiava. Tinha ideia do que poderia acontecer. Não tenho esses detalhes, mas a imprensa vinha noticiando que eu poderia bater o recorde, não nesse jogo propriamente, mas já vinha anunciando. Ele aconteceu, mas é engraçado, não dei muita importância. Nossa preocupação sempre foi voltada para o conjunto. Coisas individuais não tinham muito importância. A gente sempre estava focado em ganhar jogos. Era um futebol mais romântico. Não éramos muito individualistas. Trabalhávamos sempre de uma forma conjunta. O meu recorde, sempre procurei dividir com a defesa, com o setor defensivo do time, com os zagueiros, até com o Piazza, que era um homem de muita marcação, um marcador implacável. Foi um recorde do próprio clube Cruzeiro, do setor defensivo, que se comportou muito bem. Não foi um recorde só meu. 

Lembra-se do Jorge Reis, que bateu seu recorde? 

Me lembrava do Jorge Reis. Só tinha esquecido o nome dele. Era um goleiro que me chamou atenção por causa disso aí. Ele bateu o recorde e passou bastante. Ele passou bem distante.  

Tem algum defensor que você gostaria de destacar, que cumpria bem a função e te ajudou a alcançar aquele recorde? 

O Piazza era um volante que cuidava da portaria principal, vamos dizer assim. Era o grande marcador do time. Era um cara que, além de orientar toda a defesa, era o protetor de todos nós ali. Ele tinha uma função muito especial. 

Quando você estabeleceu o recorde, o Cruzeiro disputava o Campeonato Mineiro, e terminou a competição com o título. Como você atribuir a importância do seu feito à conquista? 

Tem que somar todas as parcelas. Cada um dá a sua contribuição e aquela foi minha contribuição para aquele título. É claro que ajudou e muito. 

Além do título, o Cruzeiro terminou o Campeonato Mineiro com apenas seis gols sofridos em 30 jogos, melhor defesa da competição. Quais eram as principais qualidades do setor defensivo e que ajudaram você a sofrer um número baixo de gols? 

A principal virtude do Cruzeiro era que nós ficávamos com a bola muito mais tempo que o adversário. O Cruzeiro não conquistou essa marca, nem eu, porque nós nos defendíamos igual louco. Não foi nada disso. Foi por que atacávamos o tempo inteiro. Isso facilitou muito. Você tem a posse de bola, ataca, é um time agressivo, então você evita muitas vezes a presença do adversário em sua área.

O Cruzeiro terminou o Mineiro de 1969 com o segundo melhor ataque, com 67 gols, um a menos que o Atlético. Como o técnico Gerson Santos fazia os dois setores do time funcionar tão bem? 

Na minha época, o treinador queria ouvir o que o jogador tinha pra falar. O jogador tinha muita coisa pra dizer, a grande maioria. Hoje, termina o primeiro tempo, as entrevistas são assim: ‘Vamos ver o que o treinador tem pra falar com a gente’. O jogador tem que levar informações de dentro de campo para o vestiário, para falar com o treinador. Embora ele esteja vendo jogo, mas as informações de quem está praticando o jogo são muito importantes. Acontece pouco, poucos jogadores que falam muito. O técnico não tinha muito trabalho. Os jogadores ficavam dez, doze, treze anos no clube. Nós não precisávamos nem treinar. Qualquer técnico que chegasse ali, nós já tínhamos nossa forma de jogar. Hoje é diferente. Na época, tínhamos uma única forma de jogar. Podia entrar qualquer técnico que não havia mudança. Nosso time era esse independentemente de A, B ou C como treinador. Ele não impunha o jogo para nós. Nós que colocávamos em campo o nosso jogo. Não tinha aquele negócio de ‘vamos jogar dessa forma’. Era totalmente solto, a critério dos jogadores. Pode parecer estranho para muitos de hoje, mas era assim que funcionava nas décadas de 60 e 70. 

Já no Campeonato Brasileiro de 1969 (Taça de Prata), o Cruzeiro terminou a competição em segundo lugar. No quadrangular final, ficou com o mesmo número de pontos que o Palmeiras, mas perdeu o título no saldo de gols, sendo que sofreu quatro gols em quatro jogos. Acha que houve alguma diferença na mentalidade tática ou os adversários do Brasileiro eram mais difíceis de segurar? 

O Campeonato Brasileiro era mais qualificado que o Mineiro. É até hoje e sempre foi. Hoje tem times do Brasil todo, mas naquela época era mais do Rio de Janeiro, São Paulo, tinha gaúchos. Era mais complicado. O Cruzeiro deixou de ser campeão por pequenos detalhes. Um gol apenas. Tenho quatro títulos brasileiros, mas poderia ter cinco. 

Partidas invictas de Raul Plassmann:

Cruzeiro 3 x 1 Uberaba - última gol sofrido antes de série invicta
Cruzeiro 4 x 0 Francana
Cruzeiro 0 x 0 Uberlândia
Cruzeiro 3 x 0 Araxá
Cruzeiro 1 x 0 Villa Nova
Cruzeiro 4 x 0 Villa do Carmo
Cruzeiro 3 x 0 USIPA
Cruzeiro 1 x 0 América
Cruzeiro 1 x 0 Atlético
Cruzeiro 2 x 0 Independente
Cruzeiro 1 x 0 Democrata - ultrapassou o goleiro Roma, do Racing
Cruzeiro 1 x 0 Democrata
Cruzeiro 3 x 1 Democrata - estabeleceu o feito  

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