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Às vésperas de eleições, Cruzeiro ainda não conseguiu expulsar conselheiros remunerados pela gestão Wagner; veja detalhes dos processos

Algumas ações internas acumulam mais de 100 páginas, entre notificações, materiais comprobatórios, defesas e decisões

18/09/2020 17:30 / atualizado em 18/09/2020 18:02
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Sérgio Nonato e Gustavo Perrella estão entre os expulsos
foto: Montagem sobre fotos de Igor Sales/Cruzeiro e Roberto Castro/ME

Sérgio Nonato e Gustavo Perrella estão entre os expulsos

Nos dois próximos meses, o Cruzeiro enfrentará novos processos eleitorais. Serão realizados pleitos para definir a nova mesa diretora do Conselho Deliberativo, além do próximo presidente do clube. Todos os mandatos serão válidos por três anos (2021-2023). As disputas, no entanto, deverão ter, novamente, as participações de conselheiros que descumpriram o Estatuto durante a gestão catastrófica do ex-presidente Wagner Pires de Sá.

Nesta semana, completaram-se cinco meses desde que o ex-presidente do clube e do Conselho Deliberativo, José Dalai Rocha, assinou termos de expulsões de 32 conselheiros - 30 deles por terem sido remunerados pela antiga administração, o que é vetado pelo Estatuto, e dois por gestão temerária, casos de Wagner e Hermínio Lemos, ex-vice-presidente. O Superesportes teve acesso aos processos. Alguns deles acumulam mais de 100 páginas, entre notificações, materiais comprobatórios, defesas e decisões.

Notificação recebida por Sérgio Nonato
foto: Reprodução

Notificação recebida por Sérgio Nonato

É o caso da ação interna de número 023/2020, que tratou da expulsão de Sérgio Nonato, ex-diretor-geral do Cruzeiro e conselheiro efetivo desde 2018. Braço-direito de Pires de Sá, ele deixou o clube em outubro de 2019, após muita pressão, recebendo salários de R$ 125 mil/mês. Os três aditivos contratuais, assinados pelos membros da antiga gestão, bem como as notas fiscais emitidas pelas empresas de Nonato, foram anexadas aos processo.

O processo pela expulsão do ex-dirigente dos quadros do clube foi aberto em 5 de março de 2020. A notificação entregue a Nonato em 11 de março foi assinada por José Dalai Rocha, então presidente do clube e do Conselho; Paulo Sifuentes, vice-presidente do Conselho; Waldeyr Estevão de Paula, 1º secretário do Conselho, além de cinco membros da Comissão de Ética e Disciplina: José Gustavo Gatti, Antônio Carlos Santana, Paulo Sávio Cunha Guimarães, Valter Batista Teixeira e Celso Luiz Chimbida.

Sérgio teve dez dias para responder o "objetivo do contrato de prestação de serviços firmado junto ao Cruzeiro e quais eram suas atribuições", mas foi informado de antemão que havia infringido o Estatuto, como mostra trecho do documento na imagem ao lado. O ex-diretor-geral respondeu em 19 de março. 

O documento enviado por Sérgio Nonato, no entanto, não foi bem uma defesa. O conselheiro ‘contranotificou’ e ‘interpelou’ os responsáveis pela notificação. "A mesa diretora citada na notificação é a mesa diretora de que órgão?", questionou. Em outro ponto, ele ataca Dalai Rocha, que teria ‘usurpado de seus poderes’. Sobre a infração ao Estatuto, ele garantiu que jamais foi “empregado do clube”, uma vez que recebeu por meio de Pessoa Jurídica.

Em sua defesa, Nonato diz que prestou
foto: Reprodução

Em sua defesa, Nonato diz que prestou "consultoria na área desportiva" ao Cruzeiro

 

Após o direito de defesa dado a Sérgio, Dalai Rocha, na competência de presidente do Conselho Deliberativo do Cruzeiro, assinou a expulsão em 17 de abril, mesma data em que recebeu o parecer do Conselho de Ética sugerindo tal medida. Assinaram essa relatório (leia um trecho na imagem abaixo) quatro membros do órgão: José Gustavo Gatti, Antônio Carlos Santana, Celso Luiz Chimbida e Suely de Matos Porto.

Relatório do Conselho de Ética diz que permitir remuneração é aceitar o %u201Ctoma lá, dá cá%u201D.
foto: Reprodução

Relatório do Conselho de Ética diz que permitir remuneração é aceitar o %u201Ctoma lá, dá cá%u201D.


Na decisão, Dalai reitera a gravidade das infrações e manda ‘informar’ a Sérgio Nonato da expulsão do Conselho Deliberativo. O documento foi enviado ao e-mail do conselheiro em 23 de abril. No dia 27, o então presidente do órgão assinou despacho em que pede o cumprimento da decisão à secretaria do clube.

Despacho assinado por Dalai Rocha para oficializar expulsão de Sérgio Nonato
foto: Reprodução

Despacho assinado por Dalai Rocha para oficializar expulsão de Sérgio Nonato


Os demais processos seguiram basicamente os mesmos passos do que foi feito com Sérgio Nonato. Uma das ações, envolvendo o conselheiro Albertino de Souza, não teve o mesmo fim em função da falta de provas. Ele acabou absolvido. De acordo com documentos do Cruzeiro, sete conselheiros nem sequer apresentaram defesas. Foram eles Ângelo Augusto Viana, Alexandre Francisco Lemos, Jairo Venâncio Brito, Jorge Lúcio Turci, Jorge Washington Ferreira, Maurício Cattabriga e Gustavo PerrellaVeja lista de todos os expulsos

Justiça entra em jogo


Em 14 de maio, portanto a uma semana das eleições que definiram novos presidente e presidente do Conselho Deliberativo, os conselheiros começaram a buscar na Justiça a invalidação do processo conduzido por José Dalai Rocha e o Conselho de Ética. Dez deles, incluindo Sérgio Nonato, foram representados pelos mesmos advogados em ação conjunta. 

Em 18 de maio, o juiz José Maurício Cantarino Villela, da 29ª Vara Cível de Belo Horizonte, concedeu liminar impedindo as expulsões por não ter identificado “deliberação do Conselho Deliberativo/órgão colegiado, decidindo sobre a perda dos mandatos dos autores, na forma do artigo 15 e incisos do Regimento Interno do Conselho Deliberativo”.

Trecho da decisão que cita a necessidade de votação do Conselho Deliberativo
foto: Reprodução

Trecho da decisão que cita a necessidade de votação do Conselho Deliberativo


Na última reunião do Conselho Deliberativo, o conselheiro Gustavo Gatti, que integrava a Comissão de Ética no período das expulsões, chegou a propor uma votação naquele momento, para cumprir com o que mandou o juiz José Maurício Cantarino Villela. A ideia foi rechaçada, uma vez que essa proposta colocada em edital prévio pelo presidente do Conselho, Paulo César Pedrosa. 

Presidente do clube, Sérgio Santos Rodrigues também fez críticas naquela data ao processo conduzido por Dalai e o Conselho de Ética. “Nesse processo há uma intimação, um retorno e uma remessa para julgamento. Regimento fala em produção de provas e outros atos que têm que ser praticados para evitar nulidade. Não adianta fazer correndo e fazer mal feito”, disse.  “Hoje há uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que suspende os processos. Não cabe à diretoria executiva nem ao Conselho Deliberativo. A não ser que tenha o entendimento jurídico diferente. Estamos dispostos a receber”, completou.

Na ocasião, o presidente do Conselho Deliberativo, Paulo César Pedrosa, não tratou sobre o tema. Apenas concordou com Sérgio Rodrigues. 

José Dalai Rocha


Ao Superesportes, Dalai afirmou que falta vontade política no clube para colocar em votação, no colegiado, as expulsões dos conselheiros remunerados pela gestão de Wagner Pires de Sá. O ex-juiz federal apontou que não é interessante a votação de expulsões de conselheiros antes das eleições - a primeira já marcada para 7 de outubro. 

“A direção do Cruzeiro e do Conselho Deliberativo vêm propagando com frequência que, como houve 'erro' na exclusão dos conselheiros remunerados, seguindo-se decisão judicial, nada mais podem fazer, senão aguardar a Justiça. Aguardar a Justiça e as eleições de outubro, certamente. Estão jogando para a arquibancada, Quantas liminares só neste mês você já viu sendo derrubadas em várias instâncias da Justiça? Um monte! Parece que nascem para serem cassadas. Mas no Cruzeiro atual algumas têm força de decisão transitada em julgado”, disse José Dalai Rocha.

José Dalai Rocha assumiu o Cruzeiro após a renúncia de Wagner Pires, em dezembro de 2019
foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

José Dalai Rocha assumiu o Cruzeiro após a renúncia de Wagner Pires, em dezembro de 2019


Ele relembrou que Paulo César Pedrosa foi eleito com menos de um quarto dos votos dos conselheiros, o que exigiria “estratégias” para a manutenção de poder no pleito de novembro (eleição do Conselho Deliberativo). “Nas eleições para a mesa diretora, quando os 30 conselheiros puderam votar, o presidente eleito recebeu votos inferiores a 1/4 de conselheiros. Sua vantagem sobre o segundo colocado foi de apenas 12 votos. Assim, pode haver razões políticas e estratégicas para manter os conselheiros remunerados até as próximas eleições. Mas estas razões estão longes de serem éticas e morais", completou.


Paulo César Pedrosa


A reportagem procurou Pedrosa, presidente do Conselho, nessa quinta-feira. Ele disse que não estava em condições de responder perguntas, em função do estado de saúde, mas deu um posicionamento.

“Eu não posso manifestar de um assunto que está sub judice. É isso. É por isso. Nem eu e nem a Comissão Disciplinar. Está sub judice. Não tem nada parado com a gente lá”, disse Pedrosa por meio de uma mensagem de áudio.  

Sérgio Santos Rodrigues


Questionado sobre o andamento do processo na Justiça e o que o Cruzeiro poderia fazer no caso dos conselheiros expulsos, o presidente Sérgio Santos Rodrigues deu a seguinte declaração:

“O recurso cabível em face de liminares proferidas em 1ª instância é o Agravo de Instrumento. Quando a atual gestão entrou os recursos já haviam sido interpostos, restando somente à atual gestão acompanhar seu julgamento. Por se tratar de matéria de fato e não de direito, recursos a tribunais superiores não seriam cabíveis no caso. Assim, permanecem as decisões proferidas pela Justiça, cabendo ao clube cumpri-las. Agora, no que tange aos casos já submetidos ao Poder Judiciário, resta aguardar o julgamento posto que o clube não pode contrariar decisão judicial; assim, resta ao Poder Judiciário pôr fim às questões a ele submetidas”.


Sérgio Santos Rodrigues assumiu o Cruzeiro em 1º de junho
foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Sérgio Santos Rodrigues assumiu o Cruzeiro em 1º de junho



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