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Contemporâneos de Neymar vivem realidade bem diferente no 'lado b' do futebol

Eles também são jogadores de 26 anos, mas não têm vidas luxuosas nem problemas com imprensa, tampouco se preocupam com Bola de Ouro

postado em 15/07/2018 07:00 / atualizado em 14/07/2018 18:50

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Enquanto você lê este texto, o craque Neymar deve estar se deliciando em uma de suas mansões, se divertindo em eventos de pôquer, com todo conforto possível, carros luxuosos, helicópteros para locomoção, uma equipe de empregados à sua disposição e curtindo férias depois de fracassar com o Brasil na Copa do Mundo da Rússia. Num mundo paralelo ao que o badalado astro vive, outro jogador de 26 anos percorre pelo menos 100 quilômetros diariamente e pega três ônibus para chegar pontualmente ao horário do treino do Minas Boca, equipe da Terceira Divisão mineira. Ainda que a caminhada seja longa e cheia de desafios, o zagueiro Robert Monteiro Barbosa não perde a fé de que poderá ajudar a família exclusivamente vivendo do futebol.

Natural de Venda Nova, Robert é 53 dias mais novo que Neymar e tem realidade bem diferente do astro, num país em que o futebol reflete toda a desigualdade existente entre as camadas sociais. De acordo com a última pesquisa divulgada pela CBF, em setembro do ano passado, 82,4% dos 28.203 jogadores profissionais registrados ganham até R$ 1 mil mensais. Outros 13,6% recebem até R$ 5 mil e menos de 5% tem a carteira registrada com vencimento acima de R$ 5 mil.

Um dia depois da eliminação brasileira na Copa do Mundo, o diretor de Seleções da CBF, Edu Gaspar, declarou que “não era fácil ser Neymar”. “A partir do momento em que convivi mais com o Neymar, vi que não é fácil ser ele. É um atleta que merece todo o meu elogio. Se dá um sorriso, é criticado e elogiado. Se chora, é criticado e elogiado. Se não dá entrevista, é criticado e elogiado. É difícil estar na pele do Neymar em alguns momentos”. Se ser Neymar não é fácil, imagine um atleta que encara muitas dificuldades para tentar viver do futebol? Robert, por exemplo, mora com os pais e mais três irmãos em Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte. Com passagens pelo Arsenal (Santa Luzia), Contagem e Cori-Sabbá (PI), ele está em fase de testes para tentar um lugar no time titular do Minas Boca, de Sete Lagoas, que disputará o Mineiro a partir do mês que vem.

Ele gasta R$ 22 diariamente para se deslocar ao campo de Santa Cecília, em Ibirité, onde sua equipe treina. O trajeto dura mais de três horas, o que obriga a sair de casa às 6h30 para conseguir chegar às atividades a tempo. Começa o trajeto indo a Justinópolis, depois segue para o centro da capital e de lá conclui até Ibirité. Só chega de fato em casa por volta das 15h para almoçar. Os pais, Romildo e Valdete, o ajudam a juntar o dinheiro para a condução. “Não é fácil essa rotina. Mas estou trabalhando e abrindo portas para buscar o objetivo na vida”.



O zagueiro não abriu mão de ter uma carteira de trabalho profissional (poderia convertê-la para atleta amador e jogar partidas todos os fins de semana) por acreditar que vai conseguir um ganho digno. Como está em período de preparação, ainda não tem salário fixo. No começo da competição, assinará contrato com o Minas e receberá o mínimo de R$ 954. Seu clube vive fase de reestruturação, com o pagamento de dívidas antigas, e não vai conseguir contratar atletas por valor mais alto.

A rotina de Robert não contempla apenas o futebol. Aos sábados, quando tem folga, acompanha o pai à Ceasa para ajudá-lo a carregar e descarregar mercadorias, recebendo uma quantia a ser investida em sua carreira. Para ele, a experiência no Cori-Sabbá (PI) em 2016 foi a mais interessante. Ele ficou quatro meses no clube e atuou na Primeira Divisão local. Mas enfrentou uma longa caminhada para conseguir o dinheiro para viajar. “A base do futebol não é fácil. Você tem que fazer seu investimento. Nunca tive apadrinhamento. Minha família me ajuda e dá força. Meus pais são meus grandes amigos”.

Ele não tem empresário e vê o Estadual como visibilidade para um passaporte na carreira. Por causa da falta de tempo, o jogador parou os estudos no 2º ano do Ensino Médio. Ele ainda ajuda os pais com afazeres domésticos. Segundo o jogador, o investimento renderá frutos no futuro: “Não tem nada mais gratificante do que seu irmão querer uma coisa e você ter condições de fornecer o que ele quer. É um dom que Deus nos dá. Minha caminhada é desde pequeno e infelizmente ainda não tive essa oportunidade. Futebol não é para quem joga. É para quem sonha e quer”.

CONSELHOS Ainda que jovem, Robert é um dos mais experientes do Minas Boca. De acordo com regulamento da Federação Mineira, as equipes só podem ter cinco atletas acima de 23 anos, o que restringe os jogadores mais experientes. Nos treinos, o zagueiro tem a tarefa de orientar os mais jovens. O Minas volta a disputar o Estadual depois de ficar ausente em 2017 para se organizar financeiramente. O clube ainda busca patrocínio para quitar os salários do grupo – mandará seus jogos na Arena do Jacaré, em Sete Lagoas. A tabela da competição não foi divulgada pela Federação Mineira.

Rumos bem diferentes do companheiro Neymar


São Gonçalo/Divulgação - Jorge Gontijo/EM/D.A Press


Para vários atletas de 26 anos, tal qual Neymar, o futebol caminhou em outra direção. Sem a badalação que marca a vida do camisa 10 brasileiro na última Copa do Mundo, eles seguiram na carreira buscando o crescimento diário e distante dos grandes salários. Um exemplo é o goleiro Luís Guilherme, companheiro de Neymar na Seleção Sub-17 de 2009. Revelado pelo Botafogo, ele se distanciou dos grandes centros e se formou em psicologia. Além de reforçar o salário, o jogador investe em uma profissão para quando decidir se aposentar.

Hoje, Luís Guilherme joga pelo São Gonçalo-RJ, que disputa a Segunda Divisão carioca. Apesar da falta de estrutura para treinos e do baixo salário (ganha em torno de R$ 2 mil, teto máximo do clube), ele nem pensa em parar de jogar. “O futebol abraça todos, mas as chances são restritas. Há uma disparidade grande entre os jogadores. Enquanto uns, como o Neymar, ganham milhões, outros sobrevivem com o salário-mínimo. Não tive oportunidades, mas ainda acredito que tenho muito a mostrar”, afirma o goleiro, que se formou em 2016. “Psicologia foi a escolha que fiz para dar continuidade a um projeto que estabeleci para minha vida. Gostaria de trabalhar com o esporte, pois é uma área importante”, afirma.

O zagueiro Sidimar é outro ex-companheiro de Neymar na Seleção de base. Presente no grupo do Atlético que conquistou a Libertadores, ele perdeu espaço e defende o Tupi desde 2015. Em Juiz de Fora, o jogador de 26 anos tem uma vida simples, bem diferente da que projetou no início de carreira. Ele mora no alojamento do clube e aproveita as folgas na casa dos pais, em Nova Serrana, no Oeste mineiro. “Futebol é muito dinâmico. E existem muitos jogadores de futebol. O funil é pequeno e não há oportunidade para todos. O jogador que chega a jogar pela Seleção muitas vezes pode ser inferior a outros que não têm essa chance”.

Quem também não teve sequência em clube grande foi o goleiro Paulo Victor, revelado pelo Galo. O jogador é o reserva do Tombense, que disputa a Série C do Brasileiro, e se habituou a uma vida sem glamour. Na pequena cidade de Tombos, com 10 mil habitantes, ele mora com a família num apartamento alugado pelo próprio clube. “O foco nunca pode ser o salário que ganhamos ao fim do mês. É evidente que não estamos satisfeitos, mas sou agradecido por tudo o que conquistei. Se eu falar que nunca desanimei é mentira. Mas tenho o privilégio de sustentar minha família com o dom que Deus me deu.”

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