Gustavo Nolasco
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DA ARQUIBANCADA

Vão proibir o gol, Dedé e a alegria

Numa canetada, homens caretas e covardes decidiram proibir a entrada da torcida num estádio. A justificativa? 'É preciso evitar gastos com segurança'

postado em 16/05/2018 08:00 / atualizado em 15/05/2018 22:29

Vinnicius Silva/Cruzeiro E.C.
Dedé entrou no avião ainda sem saber o quão importante seria a peleja do dia seguinte contra um dos milhares de atléticos, no caso, o paranaense. Seu destino? Curitiba. Missão? Impedir a morte do futebol brasileiro.

Assim, o zagueiro foi andando pelo corredor da aeronave. Distribuindo seus quase dois metros de sorrisos e simpatia. Todos queriam lhe cumprimentar por ter se tornado o maior marcador mundial do “Impossível”.

Quando se sentou no banco apertado, o Mito ajustou o cinto de segurança; cumprimentou com sua contumaz educação a aeromoça e olhou para baixo. Desta vez, deu um sorriso emocionado para sua própria história. Com as mãos, acariciou aquelas que são suas companheiras de vida há três anos: as cicatrizes que começam em seus joelhos e terminam na sua alma de menino iluminado.

Ainda em solo, ao lado dos companheiros de trabalho, Dedé passou a escutar da tripulação as normas de segurança. A cada palavra de cuidado, uma lembrança. A dor do rompimento do corpo em 2015. O choro seco no colo da esposa a lhe encher de companheirismo. Os suspiros escondidos ao telefone para os familiares não suspeitarem de que poderia perder o dom da alegria. A cumplicidade diária com os médicos e anjos de seus joelhos. Até enamorar-se com a esperança. O gol do retorno naquela manhã ensolarada de domingo, num carrinho deslizante pelo gramado do Mineirão até as redes do Democrata. 

“Decolagem autorizada”. A voz do piloto lhe tirou do momento da alegria e lhe devolveu o sofrimento à memória. A repetição da angústia dos joelhos retalhados doeu ao lembrar do medo de nunca chegar o dia em que entraria em campo com o filho no colo, ambos vestidos com as cinco estrelas no peito, num Mineirão repleto de gente a gritar-lhe votos de felicidade. 

Todo o arrepio da tristeza foi cegado pela luz que entrou pela janela, quando a aeromoça pediu que abrisse a persiana. Era hora de Dedé decolar, embebido na recente euforia de estar entre os cinco maiores zagueiros do Brasil. Mal sabia que ao final daquele voo, teria uma missão ainda mais dura.

Escrete celeste no céu, enquanto na terra, um duro golpe se abatia sobre a mais democrática paixão brasileira: o futebol. Numa canetada, homens caretas e covardes decidiram proibir a entrada da torcida num estádio. A justificativa? “É preciso evitar gastos com segurança”.

Assim escreviam mais um capítulo da folha corrida de um país mergulhado na canalhice, onde vítima vira culpado; população é burocracia e futebol só é permitido se for privado do direito de seguir a paixão pelo nosso clube.

Nessa toada, chegará o dia em que os incompetentes baixarão a lei para fechar todas as escolas para economizar com a educação, já que alguns alunos têm dificuldades e repetem de ano. Médicos para que, se parte do povo está sã? Os doentes que se danem e se curem sozinhos, pois é preciso economizar com a saúde.

Se na noite de hoje, em Curitiba, nada for feito, chegará o dia em que matarão definitivamente o futebol. O gol será proibido, pois num mundo de ódio e tédio, eles vão querer economizar a alegria.

Mas eis que temos de um lado Dedé, o Mito que venceu o Impossível. Do outro, nós, uma torcida gigantesca espalhada pelo mundo em redutos celestes, verdadeiras muralhas azuis. Com essa combinação, iremos ao estádio, mesmo infiltrados, a paisana, sem o manto sagrado (proibido pelos incompetentes), mas com as cinco estrelas tatuadas no coração.

Inesquecível seria se o nosso gigante das cicatrizes entrasse no gramado na noite de hoje recebendo nossos aplausos e nos devolvendo a esperança em forma de uma faixa preta no braço, em sinal de luto e guerra, escrita assim: “Curitiba, 16 de maio de 2018. Aqui começa a resistência para que o futebol não morra assassinado”.

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