Gustavo Nolasco
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DA ARQUIBANCADA

Um amor inegociável pelo Cruzeiro

Se reconhecimento à historia houvesse, hoje, a senhora palestrina deveria ter uma cadeira cativa dentro do clube ao qual dedica quase 100 anos de amor

postado em 23/05/2018 07:55 / atualizado em 23/05/2018 02:30

Arquivo/EM
Ontem, contra o Racing, a senhora Osetta se portou como faz há 93 anos. Deixou as cinco estrelas cravejadas em seu coração pulsarem livres de amor pelo Cruzeiro/Palestra. Nada nesse mundo é capaz de lhe impedir o aplauso, o choro emocionado ou mesmo o orgulho pela história de títulos do seu amado clube. A devoção dela pelo time do povo é inegociável.

A história de Osetta Pieri, nesses tempos de dirigentes covardes e vingativos, é testemunho da magnitude de uma época onde era possível - contra a vontade dos poderosos - construir um gigante com as mãos simples de italianos, operários, comerciantes e sonhadores. Gente como a família de Osetta, que nasceu menina na Itália em 1924 e, poucos anos depois, ao colocar os pés no bairro popular do Barro Preto, imediatamente entregou sua vida ao Cruzeiro/Palestra. 

Quando jovem, emprestou suas mãos ao clube, tornando-se jogadora de vôlei. Cresceu entre os estudos, o apoio ao pai na fábrica de farinha Moinho Inglês e os jogos de domingo, quando os gols e a genialidade do ídolo Niginho causavam a ira nos adversários da elite da capital.

A torcedora apaixonada se transformou em moça. Viu o pai Otávio montar seu humilde negócio e ter entre os clientes, as Massas Orion, de Dona Rosa, mãe de um personagem  que iria cruzar a vida de Osetta: Felício Brandi, que por sua vez, viria a ser o maior dirigente da história do futebol mineiro. 

Mas quis o destino que o amor de Osetta pelo Cruzeiro passasse por um teste de fogo. Eis que o seu marido, o jovem Nelson Campos, se tornaria dirigente do Atlético, clube do bairro de Lourdes. Por sinal, até hoje, ele ainda é o mais importante presidente e o único a dar àquela agremiação um Campeonato Brasileiro em toda a sua história.

Naquela época, década de 1950, num tempo em que o sapatênis ainda não era o símbolo maior da elite, aquele Atlético era realmente um rival à altura do Cruzeiro. Belo Horizonte ainda não se derramava para além da avenida Contorno. Mesmo assim, Osetta manteve firme seus olhos a brilhar pelas cinco estrelas, respeitando sempre a posição do marido. 

Naquela casa reinava a consideração pelos diferentes, sem um pingo de vingança, desdém ou pequenez. Se Twitter, camarote, ingresso a preço abusivo, alto-falante e torcida organizada existissem, Osetta e Nelson não os usariam para se impor.

Nas décadas seguintes, nos dias de Cruzeiro e Atlético, Nelson ia cuidar de seu clube. Osetta jamais o acompanhou. Ela se juntava à amiga inseparável, Luzia Fenatti e rumava para o Mineirão. Sentava-se no lado azul das arquibancadas do estádio criado para ser cruzeirense. Perdendo ou ganhando, ao chegar em casa, não se falava em futebol.

Se reconhecimento à historia houvesse, hoje, a senhora palestrina deveria ter uma cadeira cativa dentro do clube ao qual dedica quase 100 anos de amor. Isso esteve perto de acontecer, há alguns anos, quando Felício Brandi, o filho de Dona Rosa das Massas Orion, quis empossar Osetta no Conselho Deliberativo do Cruzeiro por sua resistência e completa devoção às cinco estrelas. Infelizmente, esse ato o maior presidente celeste não conseguiu concretizar. Seria a imortalidade de um amor inegociável.

Por outro lado, a relação de Osetta e Nelson deveria constar como capítulo primeiro do estatuto dos clubes. Talvez assim, voltaríamos a viver os tempos da real rivalidade. Ao tempo de Osetta, Nelson, Felício e Rosa. Tempo onde existia uma equidade de histórias, conquistas e torcidas que, lá atrás, justificava chamar um Cruzeiro e Atlético de Lourdes de clássico.

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