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SÉRIE B

América, Chape e Série B: o gol no fim que balançou a cobertura esportiva

Em questão de segundos, o Coelho foi de campeão a vice. E toda a construção do texto da partida precisou passar por ajustes rápidos

postado em 30/01/2021 17:00 / atualizado em 31/01/2021 02:28

(Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Todo jornalista que trabalha na redação de internet concorda que uma das coisas mais apavorantes na cobertura de futebol é quando sai um gol que muda o resultado da partida nos acréscimos do segundo tempo. O texto que estava pronto para ser publicado precisa de ajustes em questão de minutos - ou segundos - antes de ser compartilhado no portal e nas redes sociais. Feito isso, é recomendável que o repórter releia tudo que escreveu ou peça auxílio ao editor, pois pode ser que tenha passado batido algum erro de digitação, repetição de palavras ou informações incompletas.

E quando o gol interfere na definição do campeão de uma competição? A imprensa esportiva de Belo Horizonte e de Chapecó sentiu na pele as dificuldades de ver tudo mudar com o pênalti convertido por Anselmo Ramon, aos 52 minutos do segundo tempo. Num piscar de olhos, a Chapecoense fez 3 a 1 sobre o Confiança, na Arena Condá, e tirou o título que estava praticamente nas mãos do América, que bateu o Avaí por 2 a 1, no Independência. A noite de sexta-feira foi de aflição, correria e pressão psicológica em modificar toda a crônica o mais rápido possível.


No meu caso, fiquei responsável pela matéria do jogo do América para o Superesportes. Ao longo do primeiro tempo, com a vitória parcial por 2 a 0, desenvolvi o texto puxando pelo terceiro título, já que a Chape tinha marcado apenas um gol em cima do Confiança. Na etapa complementar, o time catarinense levou o empate, o que deixava a situação dos mineiros ainda mais confortável. Mas o Coelho vacilou e tomou um gol de cabeça aos 16 minutos. Assistindo ao replay na TV, constatei que o atacante Getúlio, do Avaí, estava impedido, embora o lance fosse difícil para a arbitragem em razão da ausência do VAR na Série B.

Aos 34min, a Chapecoense fez 2 a 1 sobre o Confiança, mas o resultado ainda era favorável ao América, que levava vantagem no critério de gols a favor. Na medida em que ocorriam eventos importantes no jogo, eu os acrescentava ao texto. O atacante Ademir, por exemplo, perdeu uma ótima chance de ampliar para 3 a 1, já depois dos 40 minutos.

Aos 49, o árbitro Flávio Rodrigues de Souza apitou pela última vez e encerrou o jogo. Mas a bola ainda rolava na Arena Condá. Atletas e integrantes da comissão técnica do Coelho se reuniram no banco de reservas e assistiram aos minutos finais de Chape x Confiança. Quando deram de cara com o aparelho de TV, veio a ducha de água fria: tinha pênalti em Chapecó e era favorável aos donos da casa.

E eu, que escrevia sobre o jogo, simplesmente entrei em desespero. Se a Chapecoense fizesse o gol, precisaria mudar toda a estrutura do texto, principalmente o lide, que é a primeira parte da notícia. Em quase nove anos de profissão, jamais vivi uma tensão tão grande. Não se tratava de fazer uma correção ou outra. Era o texto sobre a definição de um campeão voltado para os leitores de Minas Gerais, onde o Superesportes concentra grande alcance.

Não vi Anselmo Ramon dando a cavadinha para fazer o gol do título. Depois de gritar uns palavrões em tom de desabafo por refazer o trabalho, respirei fundo, modifiquei a abertura e soltei um parágrafo. Na sequência, completei com o restante do texto. Pedi ajuda aos colegas com destaques na capa e nas redes sociais. O pescoço doeu de estresse, as mãos ficaram trêmulas, a cabeça deu uma bagunçada. Aos poucos, porém, o pior foi passando, e enfim pude revisar o que redigi com calma.

(Foto: Márcio Cunha/Chapecoense)

Pode parecer óbvio, mas muitos amigos perguntam como os jornalistas fazem para publicar as crônicas de maneira instantânea ao término das partidas. Explico que o relato é produzido no decorrer do jogo, até porque nenhum profissional, por mais dinâmico que seja, fará um texto de dez parágrafos e ficha técnica contendo escalações, substituições, cartões e autores dos gols em menos de dois minutos.

A corrida pelos milhões de acessos e a busca dos leitores pela notícia completa em primeira mão exigem do jornalista agilidade na apuração, edição e publicação dos conteúdos. Só que às vezes somos traídos pelo imprevisível, então tudo muda no intervalo de segundos. Foi o caso do desfecho de Chapecoense e América na Série B mais acirrada dos últimos tempos. Os times somaram 73 pontos e conquistaram 20 vitórias, porém os catarinenses obtiveram melhor saldo (21 a 20) graças à ousadia de Anselmo Ramon.

Deixo aqui o meu agradecimento a Bruno Furtado, Lucas Bretas e Lara Pereira pela parceria na cobertura do jogo, além do fotógrafo Alexandre Guzanshe, que registrou ótimas imagens do América tanto no momento da comemoração dos gols quanto na frustração em frente à TV pela perda do título.

Parabenizo também jogadores, comissão técnica, dirigentes e torcida do Coelho pela excelente temporada. Ainda que tenha sido acometido por muitos erros de arbitragem - inclusive com um gol mal anulado no confronto direto com a Chapecoense no returno (2 a 2) -, o clube deu show de organização, planejamento e criatividade ao montar um grupo equilibrado sem ir além de suas possibilidades financeiras.

O choro dos atletas dentro de campo e a revolta do presidente Marcus Salum e do técnico Lisca contra a arbitragem deixaram claro que o América, apesar da queda de rendimento tão logo conquistou o acesso matemático, na 34ª rodada, queria muito coroar o excelente ano com um troféu. Que esse espírito de luta e competitividade reflita em uma boa participação na Série A em 2021.

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