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JOGOS DE INVERNO

Olimpíadas de Inverno marcam mais um capítulo que esporte é usado na política

Jogos de PyeongChang são vistos como chance de reaproximação entre as Coreias, tecnicamente em guerra há 68 anos

postado em 09/02/2018 18:26 / atualizado em 09/02/2018 19:31

 AFP / Mark RALSTON

Ser uma potência esportiva pode ser símbolo de poder no cenário político internacional. Sediar um megaevento esportivo, também. Na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de PyeongChang 2018, a Coreia do Sul, país-sede, desfilou com a Coreia do Norte sob a mesma bandeira. Fato que marca mais um capítulo da história em que o esporte foi usado como ferramenta em conflitos internacionais.

Desde que foram separadas, há 68 anos — quando o mundo ainda vivia no contexto de Guerra Fria —, as duas Coreias desfilaram juntas apenas nas Olimpíadas de Sydney-2000 e nas Olimpíadas de Inverno de Turim-2006. Agora, nos Jogos de PyeongChang, elas terão, inclusive, uma equipe unificada, na disputa do hóquei no gelo feminino. O fato, porém, gerou protestos de sul-coreanos.

“As Olimpíadas são um evento esportivo, mas serão uma oportunidade, talvez um começo, para uma tentativa de reaproximação”, disse ao Correio, o ministro da Embaixada da Coreia do Sul em Brasília, Kwon Youngseup. "Não sabemos se vai dar certo ou não, mas é uma tentativa por meio do esporte." A Coreia do Norte também enviou uma delegação de 230 líderes de torcida para participar das Olimpíadas, além de equipes de demonstração de taekwondo. 

As duas nações ainda vivem em estado de tensão, agravado por testes nucleares por parte da província do Norte. Além disso, as lembranças guardadas da outra vez em que a Coreia do Sul foi palco de um evento olímpico não são das melhores. Nos Jogos de Seul-1988, a Coreia do Norte protagonizou um boicote à irmã sulista. Os norte-coreanos não participaram da competição porque não conseguiram que 11 dos 23 esportes fossem disputados na província norte, e ainda influenciaram Cuba, Nicarágua, Etiópia e Madagascar a aderirem ao protesto.

Não é de hoje, porém, que o esporte acabou sendo usado como trunfo político. Em meio à Guerra Fria, por exemplo, os Estados Unidos vetaram a ida de atletas para os Jogos de Moscou-1980. Isso porque a União Soviética havia enviado tropas militares ao Afeganistão e se recusou a retirá-las a pedido dos americanos. Com os EUA, 60 países não mandaram delegações, entre eles Alemanha Ocidental, Japão, Canadá e China.

A resposta soviética entrou para a história como um clássico. Na cerimônia de encerramento, o urso Misha, mascote daquela edição, derramou uma lágrima para simbolizar a tristeza pela rejeição. E o troco não parou por aí. Por ironia, os Estados Unidos sediariam as Olimpíadas quatro anos depois, em Los Angeles. Foi a vez, então, de a União Soviética não participar dos Jogos. Cuba, Alemanha Oriental e outros do bloco comunista aderiram ao veto.

Doping e racismo 

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A história guarda ainda capítulos em que países não pouparam artimanhas para se projetarem nos Jogos Olímpicos. A Alemanha Oriental, de 1960 a 1980 e, mais recentemente, a Rússia são exemplos disso. Ambos tiveram registrados escândalos de doping sistemático envolvendo órgãos do governo.

A Rússia, por sinal, acabou banida dos Jogos de PyeongChang — 169 atletas do país foram liberados desde que não usem as cores e a bandeira da nação. Pelo mesmo motivo, o país já havia amargado ausência nas provas de atletismo nas Olimpíadas do Rio e de todas as modalidades dos Jogos Paralímpicos cariocas.

Nos Jogos de Berlim-1936, Adolf Hitler tentou propagar a crença sobre a superioridade racial dos arianos. Com uma das maiores delegações do evento, os Estados Unidos ameaçaram boicotar a competição, o que não se efetivou. Levaram, entretanto, somente dois atletas judeus, Sam Stoller e Marty Glickman, para o revezamento 4 x 100m.

O protagonismo daquelas Olimpíadas coube ao jovem negro Jesse Owens. Com a presença do chanceler alemão, o norte-americano venceu o astro local Luz Long no salto em distância e conquistou, ao todo, quatro ouros olímpicos na casa de Hitler.

Anos depois, por conta do Apartheid, a África do Sul foi impedida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) de participar dos Jogos Olímpicos de 1964 a 1988. Na edição de Montreal-1976, a África do Sul teve influência direta na ausência de outras 28 nações africanas e asiáticas do evento.

Trégua para ver Pelé

O Brasil nunca participou efetivamente de boicote. Na realidade, usou o esporte mais popular do país para protagonizar um momento de trégua. Em 1964, o Santos de Pelé suspendeu a guerra civil que ocorria em Biafra, no leste da Nigéria, durante uma excursão ao continente africano.

A guerra já durava dois anos quando o governador da região, o tenente coronel Samuel Ogbemudia, decretou feriado na parte da tarde para que os moradores pudessem assistir ao Rei do Futebol atuar. A partida contra a seleção do centro-oeste da Nigéria terminou 2 x 1 para o time brasileiro, em jogo que teve lotação esgotada.

Quatro perguntas para

Kwon Youngseup, ministro da Embaixada da Coreia do Sul em Brasília

Antonio Cunha/CB/D.A Press


Como o país se preparou para garantir a segurança dos Jogos?

Um fator importante a se destacar nestas Olimpíadas é o da segurança. Muitas especulações e muita preocupação sobre o tema foram transmitidas pela mídia mundial, principalmente pela relação com a Coreia do Norte, mas a paz estará presente. A prova disso é a própria participação da Coreia do Norte nas Olimpíadas. E, depois de duas reuniões realizadas entre ambas as Coreias, foram feitos acordos em relação ao evento. Creio que a relação entre as Coreias vai melhorar, e a paz voltará à península.


Os acordos com a Coreia do Norte são considerados um sinal de reaproximação?

As Olimpíadas são um evento esportivo, mas serão uma oportunidade, talvez um começo, para uma tentativa de reaproximação. Não sabemos se vai dar certo ou não, porém é uma tentativa por meio do esporte. Com certeza, esforços ainda terão de ser feitos futuramente para que possa voltar a haver uma relação entre as duas Coreias.

O que os Jogos de PyeongChang terão de destaque em relação às outras edições?

A Coreia é um dos países mais avançados do mundo na área de tecnologia. As empresas Samsung e LG são reconhecidas internacionalmente. E as Olimpíadas de PyeongChang serão mais uma oportunidade de mostrar essas tecnologias. Será usada, pela primeira vez, internet 5G, além da tecnologia UHD (da sigla em inglês de Ultra High Definition) e inteligência artificial. Tanto os turistas que estiverem na cidade olímpica quanto os que acompanharem pela televisão poderão sentir um pouco dessa tecnologia, que futuramente será usada em todo o mundo.

Mais um megaevento esportivo para a conta da Coreia. Qual a importância dos Jogos de Inverno para o país? 

Serão os primeiros Jogos Olímpicos de Inverno e o segundo evento olímpico sediado na Coreia do Sul, depois de ter sediado os Jogos de verão de Seul em 1988. Será uma oportunidade de mostrar ao mundo o desenvolvimento social, econômico e político da Coreia durante esses 30 anos. O país será o quinto do mundo a sediar quatro dos principais eventos esportivos (Olimpíadas de verão, Copa do Mundo, Campeonato Mundial de Atletismo e, agora, Olimpíadas de Inverno). E o primeiro de uma sequência de três Jogos Olímpicos que a Ásia receberá. Pois depois teremos as Olimpíadas de verão, em Tóquio, e as Olimpíadas de Inverno, em Pequim. 

Os nove brasileiros em PyeongChang 2018

Christian Dawes/COB

O Brasil contará com nove representantes nos Jogos Olímpicos de Inverno de PyeongChang 2018, delegação menor do que a enviada na edição de Sochi-2014, que contou com 13 atletas. Com expectativa de enfrentar temperaturas entre -5ºC e -2ºC, e sensação térmica de -10ºC, o baiano Edson Bindilatti será o porta-bandeira do grupo na cerimônia de abertura. Aos 38 anos, ele é o piloto dos trenós 4-man e o 2-man do bobsled nacional e encara a quarta participação olímpica. Os companheiros Odirlei Pessoni, Rafael Souza e Edson Martins vão para a primeira edição olímpica das carreiras.

Além deles, o Brasil contará com Isabel Clark, responsável pelo melhor resultado do país em Jogos de Inverno, com a nona colocação no snowboard cross, na edição de Turim, em 2006. Já no esqui cross country, a mineira Jaqueline Mourão vai para a sexta participação olímpica.

A delegação ainda conta com os jovens Michel Macedo, no esqui, e Victor Santos, no esqui cross country, além de Isadora Williams, a norte-americana naturalizada brasileira da patinação artística. As chances de medalha para o Brasil, no entanto, são ínfimas.