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GINÁSTICA ARTÍSTICA

Centro de referência na formação de atletas em Brasília sofre com abandono

Tradicional projeto no colégio Setor Leste carece de investimentos em infraestrutura. O telhado do ginásio não oferece conforto térmico e falta até banheiro para as crianças

postado em 23/05/2019 21:25 / atualizado em 18/07/2019 15:29

<i>(Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)</i>
 
Quando se pensa em ginástica artística em Brasília, o Centro de Ensino Médio do Setor Leste surge como referência obrigatória. O colégio conta com um ginásio para a prática da modalidade e, por meio do Centro de Iniciação Desportiva (CID), oferece aulas para crianças e adolescentes. As aulas desenvolvidas no local incluem diversos níveis de ensino, indo do iniciante até o alto rendimento. Atualmente, 250 crianças são atendidas. As inscrições são feitas no início do ano letivo da Secretaria de Educação e o público-alvo são estudantes da rede pública. Alunos de escolas particulares podem se inscrever em vagas remanescentes. 
 
As aulas são oferecidas de forma gratuita e os pais apenas investem nos uniformes usados pelas crianças, em inscrições de campeonatos e na Associação de Pais, Alunos e Mestres (Apam), com um valor simbólico de R$ 30, não é obrigatório. “Como minha filha queria muito fazer ginástica, pesquisei e descobri o Setor Leste. Quando a gente conversa com outras pessoas, sempre dizem que aqui é referência. Estudar na rede pública facilitou, porque esses alunos têm prioridade”, diz Janaina Rinaldi, mãe da aluna Manuela. 
 
Atualmente, o projeto conta com quatro professores e recebe alunos a partir dos seis anos. A idade limite para se inscrever é 12 anos, mas, quando o aluno se destaca, segue treinando mesmo mais velho. Os equipamentos disponíveis são de ponta, exatamente os mesmos usados por profissionais, mas a estrutura do ginásio está cada dia pior. “Nossa estrutura precisa de reforma. Agora que vai começar o calor, fica insuportável. O telhado não suporta muito calor nem muito frio, ele descasca. Precisa cobrir com uma manta térmica ou elevar a altura para conseguir um clima mais agradável”, explica a professora Tatiana Freire.   
 
Alunos e professores estão sofrendo até mesmo com ausência de banheiros no local. O que existia foi demolido por correr risco de desabar e nenhum outro foi erguido no lugar. “Hoje, as crianças precisam ir nos banheiros da escola, mas, como são muito pequenas, a gente cria toda uma organização com os pais: ou o pai fica aqui para levar ou não tem como ir. Não dá para soltar uma criança de seis anos para ir sozinha ao banheiro de uma escola de ensino médio”, comenta Tatiana. A professora conta que uma verba foi liberada por emenda parlamentar para a reforma do banheiro, mas o recurso foi bloqueado e não existe a autorização para construir por falta de alvará. 

250 crianças

Público atendido no CID Setor Leste
<i>(Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)</i>
 
 

Difícil luta por mais apoio


A falta de patrocínio é outra dificuldade que o CID Setor Leste enfrenta. Mesmo com um histórico favorável de conquistas e revelações, os atletas precisam bancar as próprias viagens, o que para muitos é impossível. “Cada família patrocina os filhos. Somos um projeto da rede pública, a maioria das crianças é muito carente. Quando recebemos o calendário da federação no início do ano, passamos aos pais para que eles comecem a se organizar”, destaca a professora Tatiana Freire. Para o campeonato de junho, no Rio de Janeiro, com passagem, hospedagem, inscrição e uniforme, cada atleta precisou desembolsar R$ 2.000. 
 
Desde 2003 como professora no CID Setor Leste, Tatiana Freire conta que nunca houve patrocínio. A Secretaria de Esporte do DF oferece o programa Compete Brasília, mas para um nível mais profissional. A equipe masculina de ginástica do projeto participa do Campeonato Brasileiro da modalidade e em algumas oportunidades conseguiu passagens por intermédio do programa do governo, mas não é algo certo. “No ano passado, o pré-infantil e o juvenil viajariam em dezembro. Não compramos as passagens, pois garantiram que iria sair. Chegando perto da viagem, falaram que não tinham como liberar e compramos bem mais caro”, relata. 

Em junho, a equipe de treinamento do CID Setor Leste irá para o Rio de Janeiro participar do Campeonato Nacional. O projeto levará 46 atletas, sendo 32 da equipe feminina e 14, da masculina. Todos os gastos foram pagos com recursos próprios. Professores e alunos gostariam de contar com patrocínios para facilitar o trabalho e oferecer a oportunidade de mais atletas participarem de eventos fora da cidade. “Mesmo não estando com as melhores condições, ainda somos referência em ginástica artística no DF. Conseguimos levar os meninos para competir em nível nacional. Alguns até em competições internacionais”, diz Tatiana. (EF)

 
Programe-se
Copa Brasília de Ginástica 
Quando: neste sábado (25/5)
Local: Escola Franciscana Nossa Senhora de Fátima (906 Sul)
Horário:  9h às 18h 
Sobre o evento: Serão mil participantes, sendo 150 das turmas iniciantes do Setor Leste. Organizada pela Federação Brasiliense de Ginástica, é um torneio de massificação, que recebe crianças a partir de três anos para fazer uma grande divulgação da modalidade.
Entrada Franca 

<i>(Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)</i>


Reconhecimento internacional


Mesmo sofrendo com falta de apoio e uma estrutura deficiente para a prática em alto rendimento, o CID Setor Leste é reconhecido internacionalmente. Em 2010, o projeto foi convidado para participar do Annual Vitaly Scherbo Invitation, organizado pelo campeão olímpico que nomeia a competição. Também há atletas de base que saem para treinar em clubes de fora da capital, como Felipe Arakawa, que foi para o Minas e chegou a defender a Seleção Brasileira. O caso de maior sucesso é o da ginasta Soraya Carvalho, que foi convocada para os Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996. 
 
Novas promessas surgem todos os dias nos tablados do Setor Leste. Manuela Rinaldi, 10 anos, entrou no projeto em fevereiro deste ano. O gosto pela ginástica vem de quando era ainda mais nova. “Eu sempre gostei de assistir, então, eu queria fazer as coisas iguais. Eu faço trave, solo, paralelas”, destaca a jovem. Fã de Daiane do Santos, Manuela participará da primeira competição no final deste mês. Em apenas três meses de treino, ela avançou para o nível iniciante II. 
 
Nas turmas de treinamento com atletas mais experientes, Maria Luisa Novais, 15 anos, e Ingrid Saboia, 14, se preparam para o Campeonato Nacional, que acontecerá em junho, no Rio de Janeiro. As duas jovens seguem na equipe, mesmo extrapolando a idade limite para o ingresso, por terem se destacado e ganhado títulos locais e nacionais. Moradora do Vicente Pires, Maria Luísa conheceu o projeto por meio da irmã que estudava no Setor Leste e entrou na ginástica aos nove anos. Apesar de ter no currículo experiência em vários campeonatos fora do DF, ela não pensa em profissionalização. “Quero ser professora de educação física e ensinar ginástica”, afirma. 
 
Ingrid Saboia, campeã nacional em 2017, tem o mesmo objetivo. Segundo a jovem, que começou a praticar a modalidade aos 10 anos, além da dificuldade de se profissionalizar, ela deveria ter iniciado mais cedo no esporte. “Pela minha idade, dificulta. O ideal é começar aos três ou quatro anos. Tem gente de oito anos que está no meu nível. Então, é bem difícil. Quero ser professora para passar o que aprendi”, comenta. Ingrid reclama que a falta de apoio prejudica a participação em torneios fora do DF. Muitas vezes para conseguir o necessário para viagens, ela precisou fazer rifas.