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ZIKA

Correio entrevista seis cientistas signatários da carta enviada à OMS que recomenda o adiamento da Rio-2016

Entenda as verdadeiras preocupações do grupo com especialistas de 28 países

postado em 21/06/2016 11:35 / atualizado em 21/06/2016 12:43

Maíra Nunes

Ricardo Morae/Reuters
A menos de 50 dias dos Jogos Olímpicos no Rio, não há revezamento de tocha ou apresentação de medalhas que mude o foco da imprensa mundial: a zika configura ou não um problema para atletas e turistas? Enquanto Comitê Olímpico Internacional (COI), Organização Mundial de Saúde (OMS) e Rio 2016, os organizadores dos Jogos, se unem para tentar tranquilizar o mundo esportivo a respeito do mosquito e suas consequências, algumas das estrelas da companhia, os competidores, demonstram preocupação com uma viagem ao Brasil nessa época. Não é sem razão: de fevereiro a abril de 2016, foram notificados 100 mil prováveis casos de zika. E, para completar, em 2016, houve registro de 800 mil casos de dengue e 40 mil de chikungunya. As três doenças são transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti.

Em uma última tentativa de alertar uma parcela do planeta — e sensibilizar a outra —, um grupo de 150 cientistas de 28 países assinou uma carta enviada à OMS, com cópia ao COI, em que pede o cancelamento, o adiamento ou a transferência das Olimpíadas para outro país qualquer que não o Brasil. Do ponto de vista prático, o documento não foi de grande valia. Como num daqueles roteiros de filme-catástrofe, a Organização Mundial de Saúde ignorou o apelo da comunidade científica — ou de parte dela — e acendeu sinal verde para os Jogos. O Correio entrevistou seis dos cientistas (especialistas em saúde, direito, bioética e esportes) que assinaram o documento, para tentar entender qual o real risco da zika no Rio.

Paul Appelbaum, diretor da divisão de direito, ética e psiquiatria da Universidade de Columbia, em Nova York, é um dos que não recorrem a meias palavras. “A OMS está colocando a saúde pública global em segundo plano para priorizar o esporte e o entretenimento”, criticou. O que mais alarma o grupo de cientistas contrários à realização dos Jogos a partir de agosto na capital carioca é a agressividade que estudos recentes apontam sobre a zika. Appelbaum, por exemplo, alega não ter conhecimento de outras doenças com perfil tão severo. O mais próximo que ele avaliou, a título de comparação, foi a malária: “Isso porque é transmitida por um mosquito, mas com a ressalva de que estudos indicam que a zika também é transmitida por relações sexuais”.

Única brasileira no grupo de 150 pesquisadores que enviaram a carta à OMS, Débora Diniz caracteriza a zika como uma epidemia singular. “Não há nada parecido com essas formas múltiplas de transmissão da zika e com a gravidade dos efeitos que ela pode provocar”, aponta a acadêmica, que é professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) e do programa de bioética da Fiocruz.

O suíço Cristopher Gaffney, do departamento de pediatria e ética da medicina da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, também signatário da carta, destacou ao Correio que o problema maior está numa contaminação da população que não está preparada para lidar com o vírus. Ele argumenta que muitos países da África e da Ásia não têm a zika como preocupação e, até por isso, não estão preparados para lidar com a doença. “Ninguém sabe o que poderia ocorrer, nem a OMS tem um plano para uma disseminação nessas regiões.”



Gaffney é radical quanto ao adiamento dos Jogos. Na opinião dele, aliás, é inconcebível que não se esteja tratando dessa possibilidade com seriedade. “Por que não adiar em um ou dois anos? A existência de Jogos Olímpicos a cada quatro anos é uma lei da natureza, afinal?” O professor cita a Copa do Mundo de futebol feminino, em 2003, como um evento esportivo que foi transferido de lugar por causa de uma possível epidemia, Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS). O torneio seria na China e acabou realizado nos EUA.

Neste contexto, faz sentido “ganhar tempo” até que se possa estabelecer um plano de assistência à saúde pública que compreenda essas áreas e que tenha recursos suficientes voltados para conter o problema. A professora da UnB Débora Diniz acrescenta que a maioria dessas regiões oferece condições para que os mosquitos se proliferem, o que favorece a circulação do vírus.

O vírus da zika foi descoberto há 70 anos e, na década de 1950, o mosquito transmissor chegou a ser erradicado no Brasil, mas, teoricamente, acabou reintroduzido no país por um caso singular, em 2013. “O problema é que a cepa viral que se apresenta hoje é claramente nova, diferente e mais perigosa do que a velha”, aponta artigo de Amir Attaran, integrante da Escola de Epidemiologia da Universidade de Ottawa, publicado no periódico acadêmico Harvard Public Health Review.

Trata-se de um vírus neurológico que causa a morte celular. Sabe-se que o sistema imunológico, depois de infectado, pode atacar o sistema nervoso. O vírus também pode provocar gripe leve, hemorragia, enfraquecimento dos músculos e paralisia. Além, claro, de casos de microcefalia nos bebês de mulheres grávidas.

Mas, por incrível que pareça, não é apenas isso que assusta os pesquisadores que redigiram a carta aberta à OMS e ao COI. O cenário de uma Olimpíada em um local “contaminado” é o pior dos pesadelos de quem passa a vida tentando evitar toda e qualquer epidemia. A gravidade da exposição de 500 mil turistas de mais de 100 países do mundo ao vírus se deve ao risco de levar a zika para vários lugares ao mesmo tempo, em questão de duas semanas. É uma janela temporal arriscadíssima em relação a qualquer vírus — especialmente quando se trata de um que pode ser transmitido sexualmente e, mais grave, permanece sem se manifestar de dois a três meses em pessoas infectadas.