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Tragédia no Ninho do Urubu: uma dor que clama por justiça

Incêndio que matou 10 jogadores da base rubro-negra completa um ano. Clube e familiares das vítimas travam batalha judicial. Em Brasília, propostas de proteção aos atletas se acumulam no Congresso Nacional

postado em 08/02/2020 00:06 / atualizado em 08/02/2020 00:24

(Foto: Fabio Motta/Estadao Conteudo)
 
O 8 de fevereiro de 2019 marcou tragicamente a história do Flamengo com o incêndio no Centro de Treinamento do Ninho do Urubu, que causou a morte de 10 atletas com idades de 14 a 17 anos. O episódio chocou o mundo esportivo e expôs a fragilidade da Lei Pelé (nº 9.615, de 24 de março de 1998), no tocante à Certificação de Clube Formador (CCF) expedida pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Motivados pelo incidente, senadores e deputados federais apresentaram uma série de propostas para proteger os jovens jogadores, mas pouca coisa avançou efetivamente. 
 
O Flamengo tinha o Certificado de Clube Formador mesmo sem apresentar todas as exigências legais básicas, uma vez que o local incendiado não contava com licença da prefeitura do Rio de Janeiro para funcionar, e o alvará foi negado devido a falta do Certificado de Aprovação do Corpo de Bombeiros. Por isso, 31 multas foram aplicadas ao clube por continuar as atividades do Ninho do Urubu.
 
Ídolo e símbolo de uma geração vencedora do Brasil, o senador e ex-jogador de futebol Romário (Podemos/RJ) protocolou, em fevereiro do ano passado, o Projeto de Lei nº 680, que altera a Lei Pelé. A medida exige que, para o clube ser certificado como formador, a agremiação deverá apresentar todos os alvarás necessários para funcionamento, expedidos pelo Corpo de Bombeiros Militar ou pela prefeitura municipal.
 
No caso do futebol, a expedição do Certificado de Clube Formador pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ocorre sem que a entidade promova uma vistoria nas instalações que está credenciando, principalmente nos alojamentos que recebem jovens jogadores, muitos menores de idade. 
 
Em entrevista ao Correio, Romário disse que atualmente a CBF dá o Certificado de Clube Formador, mesmo sem a fiscalização do poder público. “Hoje não está claro que a CBF faz vistoria e, mesmo que faça, ela não é órgão competente para isso. O projeto exige uma licença do Corpo de Bombeiros Militar ou da Prefeitura para o funcionamento de alojamento para jovens”, explica. 
 
De acordo com o senador, se o projeto entrar em vigor, a CBF não poderá dar o certificado sem a autorização de uma entidade competente. “Teremos agentes qualificados para avaliar os alojamentos, os clubes deverão comprovar a segurança. Caso contrário, não poderão atuar na área de formação de jovens atletas”, projeta o ex-jogador de futebol.
 
“Aqueles jovens tinham um sonho, mas foi interrompido, infelizmente, por falhas que poderiam ser identificadas com uma fiscalização eficiente. Queremos que esses erros sejam identificados antes que uma tragédia como aquela aconteça novamente”
Leila Barros, senadora e ex-jogadora de vôlei 
 
Quatro dias após a tragédia, a ex-jogadora de vôlei e senadora Leila Barros (PSB/DF) apresentou um Projeto de Lei que também altera a Lei Pelé. A proposta exige que, para o clube conseguir o certificado, a fiscalização também deverá ser feita pelo Conselho Tutelar e pelo Ministério Público do Trabalho, sem prejuízo da ação de outros órgãos e instituições fiscalizadoras.
 
“Aqueles jovens tinham um sonho. O mesmo sonho que eu tinha quando iniciei no desporto escolar, mas o deles foi interrompido, infelizmente, por falhas que poderiam ser identificadas com uma fiscalização eficiente. Na prática, queremos que esses erros sejam identificados antes que uma tragédia como aquela aconteça novamente. O Conselho Tutelar é o órgão encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, tem competência para fiscalizar o que está determinado na Lei Pelé. E o Ministério Público do Trabalho pode resguardar o direito de os jovens atletas poderem se dedicar sem correr riscos”, disse a senadora Leila Barros.
 
(Foto: Marcelo Cortes/ Flamengo)

Sobram propostas, falta ação

 
A senadora Rose de Freitas também apresentou uma proposta de ementa que exige alvará de funcionamento para que uma entidade seja reconhecida como formadora de atletas, tornando mais rigorosa as exigências de manutenção dos alojamentos e instalações dos atletas de base. 
 
De acordo com o texto da proposta, “a tragédia com dez jovens atletas do Clube de Regatas do Flamengo é mais um motivador para que sejam exigidos todos os documentos, alvarás e laudos de vistoria para que sejam mantidas essas instalações”.
 
Além disso, exige que a entidade nacional que administra o esporte – no caso do futebol, a CBF – deve suspender, de imediato, a certificação do clube formador quando não for cumprido qualquer um dos requisitos para que um clube esportivo seja considerado entidade formadora de atleta. A suspensão seria válida até a solução da pendência. 
 
“Hoje não está claro que a CBF faz vistoria e, mesmo que faça, ela não é órgão competente para isso. O projeto exige uma licença do Corpo de Bombeiros Militar ou da Prefeitura para o funcionamento de alojamento para jovens”
Romário, senador e ex-jogador de futebol  
 
A tragédia no Ninho do Urubu também movimentou a Câmara dos Deputados. O parlamentar Rafael Motta (PSB-RN) apresentou, em fevereiro de 2019, o Projeto de Lei nº 804, que também pede a apresentação de alvarás, atestados e certificados, emitidos anualmente pelo Poder Executivo, Corpo de Bombeiros e Ministério Público, após realizadas as fiscalizações. Esses documentos fariam parte dos pré-requisitos para a concessão do Certificado de Clube Formador pela CBF, que teria validade de apenas um ano, podendo ser renovado.
 
O deputado federal Dr. Luiz Antônio Teixeira (PP/RJ) apresentou o Projeto de Lei nº 519/19, que propõe a expedição dos respectivos alvarás de funcionamento, laudo técnico do Corpo de Bombeiros, bem como o habite-se das construções. Além disso, exige a autorização expressa dos pais e da Vara da Infância e Juventude da jurisdição onde se encontram os alojamentos para que os atletas possam residir no local. (MF)

*Estagiária sob a supervisão de Fernando Brito