A reportagem conheceu a Academia Aspire. O Centro de Alto Rendimento Desportivo do Catar é o mais avançado do mundo. Para se ter uma ideia da relevância do espaço, as 27 árbitras selecionadas pela Fifa para apitar a Copa do Mundo Feminina na França, de 7 de junho a 7 de julho, realizavam a pré-temporada no “esconderijo secreto” durante a nossa visita. Malhavam em um moderno campo sintético coberto. Uma delas era a paranaense de Goioerê Edina Alves Batista, vinculada à Federação Paulista de Futebol.
Em entrevista ao Correio, a representante do Brasil na arbitragem do Mundial relata o encantamento com o local. “Que estrutura avançada. Fomos privilegiadas. Tivemos acompanhamento físico, psicológico, tecnológico, realizamos exames na Aspetar uma semana depois que o Neymar havia passado por lá (para avaliar a lesão no quinto metatarso do pé direito). Um sonho, coisa de outro mundo. Aprendemos a operar o VAR (Árbitro de Vídeo) para a Copa do Mundo com uma estrutura de outro mundo. Tem tudo lá, fiquei boquiaberta”, testemunha Edina.
Inaugurada em 2004, a Academia Aspire atrai anualmente clubes de primeira linha da Europa para a pré-temporada, como PSG, Bayern Munique, Juventus e Manchester United. As presenças de astros como Pelé, Maradona, Messi, Ronaldinho Gaúcho, Rafael Nadal, Shaquille O’Neal e Venus Williams; ou de treinadores do quilate de Pep Guardiola, Carlo Ancelotti, Alex Ferguson e Marcello Lippi são registradas com fotografias, quadros ou autógrafos.
O impecável The Torch Hotel Doha, localizado a alguns passos da entrada do estádio, hospedou a Seleção Brasileira antes de um amistoso em Doha. Outra atração é o luxuoso Villagio Mall — onde é possível simular, dentro do shopping, um romântico passeio pelas gôndolas de Veneza, na Itália.
Conheça a Aspire Academy:
Prêmios
Um dos edifícios é uma espécie de bate-caverna. Somente a seleção do Catar tem acesso ao QG. Dos 23 jogadores campeões da Copa da Ásia em fevereiro, 90% foram formados na Academia Aspire na turma de 2008. Sete são titulares da seleção do Catar. Três foram premiados na competição continental: Saad Al Sheeb (goleiro menos vazado); Akram Afif (campeão de assistências) e Almoez Ali (melhor jogador e artilheiro da competição.
O diretor geral é o ex-jogador espanhol Iván Bravo desde 2011. Como a população no Catar é pequena, um dos desafios da Aspire é pinçar talentos em idade precoce nas escolas, desenvolver habilidades multiesportivas e inseri-los no programa. Os melhores recebem bolsa para aprimoramento e até intercâmbio em times satélites da Espanha (Cultural Leonesa e Atlético Astorga), Bélgica (Eupen) e Inglaterra (Leeds United). Em 2015, todos os jogadores que disputaram o Mundial Sub-20 passaram pela Aspire. Antes, faturaram o Asiático Sub-19.
O sucesso inclui esportes olímpicos. O Catar tem cinco medalhas nos Jogos. Três de acadêmicos da Aspire. O atleta Mutaz Essa Barshim ganhou bronze em Londres-2012 e prata no Rio-2016 no salto em altura. Em 2017, foi campeão mundial pulando 2,35m. Nasser Al-Attiyah faturou bronze no tiro esportivo. Na era pré-Aspire, o Catar tinha duas medalhas no megaevento. Bronze com Mohammed Suleiman no atletismo (1.500m) em Barcelona-1992; e com Mohammed Suleiman no levantamento de peso em Sydney-2000.
Mitos, Pelé e Jordan inspiram os atletas
O meia Wagner, ex-Vasco, Cruzeiro e Fluminense, é testemunha do sucesso. Aos 34 anos, defende o Al-Khor desde o ano passado. Em fevereiro, viu a festa do povo catari para os campeões da Copa da Ásia. A explicação para a revolução é uma alfinetada no combalido futebol brasileiro. “Tudo aquilo que era para ser certinho no Brasil, acontece aqui. Eles estão colhendo os frutos na seleção com treinador espanhol, comissão espanhola, a forma de jogar espanhola, com posse de bola, pressão na saída de bola, construção sem afobação, erros”.
Os conceitos são aprendidos na Academia Aspire. “Eles implementaram uma fórmula anos atrás e trabalharam em cima dela para não serem tão dependentes dos jogadores de fora (naturalizados). Hoje, o Catar é um dos países com menos cota para estrangeiros. Só podem três. Na Arábia (Saudita) e na Turquia, sete. Eles fizeram um trabalho em longo prazo. Colocaram as crianças para aprender na Aspire, onde eles treinam juntos a manhã toda com os mesmos técnicos, a mesma metologia desde uma determinada idade. A partir disso, eles vão selecionando os melhores até o sub-23. Daí em diante, vão sendo distribuídos pelos clubes do país e satélite”, explica ao Correio.
Jogador do Catar nas Eliminatórias para a Copa 2018, Rodrigo Tabata, ex-Santos e Goiás, fez parte do processo de evolução da seleção durante a chegada de jogadores formados na Aspire. “São muitos anos trabalhando juntos, desde garoto, a partir de um investimento do governo do Catar que começou lá atrás, em 2004. Dei a minha contribuição no ano em que defendi a seleção e fico muito feliz com o momento que eles estão vivendo”.
A árbitra Edina Alves Batista voltou da Aspire com uma certeza. “Ficamos deslumbradas. Eles não estão medindo esforços para preparar a melhor Copa e a melhor seleção deles para a Copa de 2022. É muito fácil treinar lá, uma estrutura que eu jamais havia visto”.
*O repórter viajou a convite da Associação de Futebol do Catar