Futebol Internacional

COPA AMÉRICA

Politicamente (in)corretos: Gareca e Tabárez criticam consumo do futebol europeu

Rivais nas quartas de final, os técnicos pregam o fim do complexo de vira-lata por parte dos sul-americanos

<i>(Foto: AFP / Miguel SCHINCARIOL e AFP / CARL DE SOUZA)</i>
São Paulo — Em tempos de hegemonia sem precedentes da Europa em todas as competições masculinas de clubes e seleções organizadas pela Fifa, e de um treinador português e outro espanhol à frente da Colômbia e Catar na Copa América, dois técnicos adversários nas quartas de final ignoram a dinastia do Velho Mundo e pregam o fim do complexo de vira-latas sul-americano. Ricardo Gareca, do Peru, e Óscar Washington Tabárez, do Uruguai, não curtem a supervalorização do que acontece do lado de lá do Oceano Atlântico.

A América do Sul não conquista a Copa do Mundo desde 2002. Antes, havia um revezamento de campeões. As últimas quatro edições foram conquistadas pelos europeus: Itália (2006), Espanha (2010), Alemanha (2014) e França (2018). No Mundial Sub-20, o cenário se repete: França (2013), Sérvia (2015), Inglaterra (2017) e Ucrânia (2019). A Inglaterra é a atual campeã Sub-17. O Mundial de Clubes não fica com um time sul-americano há seis anos. Em 2012, o Corinthians faturou a taça pela última vez. De lá para cá, quatro conquistas do Real Madrid, uma do Barcelona e outra do Bayern de Munique.

Ex-atacante, Ricardo Gareca tem um orgulho. O argentino de 61 anos jamais jogou na Europa. Construiu a carreira no próprio país com as camisas pesadas do Boca Juniors, River Plate, Vélez Sarsfield e Independiente. Defendeu apenas o América de Cali no exterior. A carreira de treinador começou em 1996. Na contramão do sucesso dos compatriotas, jamais trabalhou na Europa. Preferiu ofertas da Colômbia, do Peru e até do Brasil. Em 2014, liderou o Palmeiras.

“Sou admirador e defensor do futebol sul-americano. Também gosto do futebol europeu, mas sou um grande defensor das nossas coisas. Há um consumo excessivo de algo que não está aqui. Apesar de termos muitos representantes no futebol europeu, considero que nem todos os melhores estão lá e nem tudo de lá é bom. Acho que aprendemos muito da Europa e eles de nós, porém, temos de recuperar nossa identidade”, advertiu na sala de conferências da Arena Corinthians na véspera da derrota por 5 x 0 para o Brasil.

O baú de memórias de Ricardo Gareca só tem conquistas na América do Sul. Em 1994, ganhou o Torneio Clausura e a extinta Supercopa dos Campeões da Libertadores. Na passagem pela Colômbia, faturou o bicampeonato nacional em 1985 e 1986. No papel de técnico, acumula troféus em clubes da Argentina e do Peru.

Encantamento

Ex-lateral, o uruguaio Oscar Washington Tabárez teve experiência no exterior com a camisa do Puebla, do México. Como treinador, tem no currículo passagens por Cagliari e Milan, da Itália; e Oviedo, da Espanha. Embora tenha trabalhado na Europa, a América do Sul continua sendo o encantamento do senhor de 72 anos.

“A Europa entrou em um estado de autossuficiência. Assim, as equipes que são do terceiro mundo nos impõem que não podemos fazer o mesmo que antes”, argumentou Tabárez, em Porto Alegre, antes do duelo contra o Japão pela segunda rodada do Grupo C.

O comandante do Uruguai atribui o desequilíbrio entre europeus e sul-americanos ao calendário. “Você não pode enfrentá-los porque existe a Liga das Nações. Os torneios de clubes absorvem os jogadores e, agora, haverá uma Copa do Mundo de Clubes com mais participantes. Cada vez temos menos tempo disponível, há muitos jogadores no exterior. As coisas seriam melhores se pudéssemos competir com mais frequência com eles, mas está ficando difícil. Tento resgatar a essência do futebol sul-americano, isso não muda”, argumenta.


Treino fechado

Ricardo Gareca comandou, ontem, no CT do São Paulo, na Barra Funda, o último treino antes do embarque para Salvador, palco do duelo de sábado contra o Uruguai pelas quartas de final. A imprensa teve acesso apenas ao início da atividade. O restante do treino foi secreto. Lesionado, Farfán está fora da Copa América. O zagueiro Carlos Zambrano e o atacante Raúl Ruidíaz, carrasco do Brasil na Copa América 2016, estão liberados para enfrentar a Celeste.



“Sou defensor do futebol sul-americano. Há um consumo excessivo de algo que não está aqui. Considero que nem todos os melhores estão lá e nem tudo de lá é bom. Temos de recuperar nossa identidade”
Ricardo Gareca, técnico do Peru