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Espelho, espelho meu

Câmara prepara pontapé inicial da CPI da Fifa, que vai investigar a corrupção no futebol. Comissão idêntica do Senado já gastou R$ 83 mil

postado em 02/02/2016 11:49 / atualizado em 02/02/2016 12:22

Gabriela Ribeiro - Especial para o Correio /

Ueslei Marcelino/Reuters - 13/3/12

Com o início do ano legislativo, ontem, na Câmara dos Deputados, os parlamentares que retornam do recesso já devem se deparar com uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), no mínimo, familiar. Batizada de “CPI da Fifa” — cortesia do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) —, a “nova” comissão para investigar a corrupção no futebol tem início previsto para este mês e se assemelha bastante com a irmã mais velha: no Senado, o mesmo trabalho está em andamento desde agosto do ano passado.

A CPI do Futebol, liderada pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Romário (PSB-RJ), viveu seu auge — e também seu anticlímax — no depoimento vago do presidente licenciado da CBF, Marco Polo Del Nero, em dezembro. Inconclusiva até agora, fundamentou o trabalho de investigação em declarações de presidentes de federações estaduais e quebras de sigilos bancários.

Essa duplicidade de atenção à situação da modalidade no país tem uma explicação. Não necessariamente uma boa explicação. Depois que a investigação do FBI sobre a Federação Internacional de Futebol (Fifa) veio a público, em maio do ano passado, o deputado João Derly (Rede-RS) protocolou na Câmara a solicitação de abertura da CPI “Máfia do Futebol”. Na mesma data, Romário repetiu o pedido no Senado, com o requerimento da CPI do Futebol. “Conversei com o Romário e a gente tinha achado que seria bom criar uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, composta por senadores e deputados). Como o processo no Senado é mais rápido, a comissão começou por lá, mas ficou na lista de espera na Câmara”, lembra Derly.

Os dois nunca mais falaram sobre o assunto, mas o deputado acredita que “o fato de ter alguns tentáculos da CBF na Bancada da Bola pode ter sido prejudicial”. Na Câmara, o processo ficou emperrado desde a metade de 2015 e só com o iminente encerramento da CPI do BNDES, logo depois do feriado de carnaval, Eduardo Cunha confirmou a tal “CPI da Fifa”. “Houve até uma conversa sobre a possível relatoria, que deve ser do maior bloco, o do PMDB”, contou Derly.

Paixão e carinho

A justificativa das duas comissões difere em alguns detalhes. Enquanto a do Senado tenta investigar a Confederação Brasileira de Futebol e possíveis irregularidades nos contratos da Copa do Mundo, a da Câmara planeja “apurar as denúncias noticiadas em 27 de maio de 2015”, em que dirigentes da Fifa foram acusados de crimes como fraude e formação de quadrilha. O documento que pediu a instauração da nova CPI cita a prisão de José Maria Marín e se baseia nas “fartas as evidências de que o futebol brasileiro esteja contaminado com negociatas ilegais”.

Na prática, a diferença é um substantivo no nome e os atores autorizados a dar palpites. “A intenção não é competir com a CPI que já existe, mas, como o funcionamento do Senado é diferente, acabava complicando o acompanhamento dos deputados que queriam fazer parte dessa investigação”, justificou Derly, que insiste na comissão, apesar da repetição do tema.

O autor da ideia não se preocupa com um possível despropósito da investigação. “O andamento da CPI depende do relator, do presidente e dos membros. Claro que alguns entrevistados e investigados vão acabar se repetindo, mas há novos fatos acontecendo”, confia. Para Derly, a motivação nobre legitima a comissão, mesmo que seja um retrabalho do que já tem sido feito no Senado. “A grande preocupação é lutar para que o nosso futebol, paixão e questão cultural, volte a ter o carinho das pessoas”, aposta o deputado.

Multiplicação

Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Correio obteve acesso aos gastos da CPI do Futebol, no Senado, em 2015. Até o fim de dezembro, a Comissão desembolsou um total de R$ 83.237,87. A maior fatia para o pagamento de diárias (R$ 62.873,83). O restante foi investido em passagens. Os gastos estão dentro do orçamento previsto pela CPI no Senado, que tinha o teto de R$ 100 mil em 2015. Para os próximos sete meses de trabalho, a comissão ampliou o limite de gastos para o dobro do valor inicial. A CPI Máfia do Futebol, ou “CPI da Fifa”, da Câmara dos Deputados, ainda não apresenta uma previsão de custos. O documento de instauração da comissão prevê apenas que os recursos vão sair do orçamento da casa.

Ana Volpe/Agência Senado - 20/05/15

Bancada com a bola toda?

Presenças constantes nas reuniões da CPI do Futebol, deputados da ‘Bancada da Bola’ costumavam atuar, em 2015, dentro da Comissão do Esporte (CESPO) da Câmara, na Subcomissão Permanente do Futebol Brasileiro. Ao todo, 12 parlamentares compõem o grupo. A extraoficial ‘Bancada da Bola’ ainda engloba outros deputados que estão no meio esportivo, como Jovair Arantes (PTB-GO), diretor do Atlético-GO e defensor da CBF, e Otávio Leite (PSDB-SP), relator da MP do Futebol(671/2015).

Nem todos são favoráveis à CBF. O deputado Andres Sanchez (PT-SP), por exemplo, sempre foi um dos críticos da entidade máxima do futebol brasileiro. Os que batem de frente com a Confederação, inclusive, receberam até uma denominação dentro do próprio grupo.

Apesar de a presença dos deputados aliados da CBF ter sido um dos supostos motivos para que Romário não tenha levado adiante a ideia de uma comissão mista, isso não preocupa o autor da CPI da Fifa. “A gente não pode ter medo, porque o contraditório é válido. Temos que respeitar a opinião deles e não deixar que ocultem fatos”, diz o deputado João Derly.

Quem já se escalou?

Conheça alguns integrantes da chamada Bancada da Bola na Câmara dos Deputados

Jovair Arantes (PTB-GO)

Diretor do Atlético-GO, é tido como líder da Bancada da Bola. Foi acusado pelo Movimento Bom Senso FC de manobrar contra a aprovação da MP do Futebol, no ano passado.

Marcus Vicente (PP-ES)

Vice-presidente da CBF, foi presidente interino da confederação até o início de janeiro. Comandou a Federação de Futebol do Espírito Santo por 21 anos.

Vicente Cândido (PT-SP)

Já foi vice-presidente da Federação Paulista de Futebol e é sócio do presidente licenciado da CBF, Marco Polo Del Nero.

Andres Sanchez (PT-SP)

Ex-presidente do Corinthians, é visto como opositor da CBF. Com mandato focado para o clube que o levou até a Câmara, foi contra a MP do Futebol.

Roberto Góes (PDT-AP)

No terceiro mandato como presidente da Federação Amapaense de Futebol, é aliado do grupo de Del Nero na CBF.