Futebol Nacional

Principal patrocínio do futebol brasileiro, Caixa se reúne hoje com Corinthians

Superintendente de marketing, Gerson Bordignon falou ao Correio sobre os bastidores das negociações

postado em 23/02/2016 11:57 / atualizado em 23/02/2016 14:15

Gabriela Ribeiro - Especial para o Correio /

Carlos Moura/CB/D.A Press

O executivo que, no início deste ano, distribuiu R$ 82 milhões a quase metade dos clubes da Série A do futebol brasileiro não entra em campo com o uniforme “tradicional”. O sapatênis em tom pastel, a calça jeans e a barba por fazer remetem mais à terceira camisa, fosse a instituição financeira onde ele trabalha um time de futebol.

Aos 48 anos — 27 deles dedicados à Caixa Econômica Federal —, o superintendente de marketing Gerson Bordignon é quem cuida dos contratos que se materializam na logomarca da empresa estampada no peito de Paolo Guerrero, Elias, Dedé, Kleber Gladiador, Walter e, logo mais, Robinho, entre tantos craques. Está na caneta dele o quanto cada clube vai receber, e, no dedo em riste, o “não” a cada pedido substancial de aumento no valor do patrocínio. “Não sei se eu te falei, mas aqui a gente trabalha com o seguinte fato: o choro é livre, a mamadeira é que é regrada”, diz, em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense.

O “choro” da vez vem do Corinthians, cujo contrato com o banco, no valor de R$ 30 milhões, vence amanhã. O clube quer renovar, mas pede R$ 7 milhões a mais para os próximos 12 meses. “Quem determina a quantia paga não é o clube, é a gente. O cara pode pedir o que quiser. Se não tiver…”, lamenta, sem piedade, Bordignon. Foi assim com o Flamengo, recentemente. O presidente rubro-negro, Eduardo Bandeira de Mello, choramingou por mais recursos, mas deixou o Edifício-Sede da Caixa, no Setor Bancário Sul, sem um centavo extra. Os R$ 25 milhões por ano injetados no Flamengo são os mesmos desde junho de 2013.

Há quase quatro anos, o Setor Bancário Sul de Brasília entrou no mapa da cartolagem nacional, em função das reuniões no prédio administrativo do banco. Em uma pequena sala acinzentada do 19º andar, que exibe na parede a estampa dos patrocinados como um scrapbook, os presidentes de clube entram (esperançosos) e saem (nem sempre felizes). “Sempre tem problemas de ego, mas não posso ficar contando aqui, porque isso é briga de torcedor. Quando você negocia com empresário é uma coisa, mas, quando é com presidente de clube, que é muito torcedor, a coisa fica bem diferente”, avalia Bordignon, vasculhando as lembranças. Pelo riso frouxo em seguida, parece recordar-se de algum caso, mas prefere o silêncio.

 

Onda corintiana

Nem sempre as transações ocorrem na saleta, montada com divisórias improvisadas. Vez ou outra, o superintendente viaja para tratar dos convênios. “Agora mesmo eu estava marcando uma reunião com eles (Corinthians) no começo da semana. Não sei o que vai acontecer”, despista Bordignon. Segundo o Correio apurou, o encontro é hoje, penúltimo dia do acordo vigente.

A relação com o Corinthians, iniciada em 2012, foi fundamental para a bem-sucedida entrada da instituição financeira no mercado do futebol. Bordignon conta que, à época, a empresa identificou “um time campeão da Libertadores”, prestes a disputar o Mundial de Clubes. Na onda corintiana, a empresa identificou uma oportunidade e... “A gente foi pra galera”, comemora o superintendente.

Em termos de valores, os negócios cresceram substancialmente. Em 2016, ao menos dez times vão receber dinheiro do banco. A maior cota, por ora, é do Flamengo, com R$ 25 milhões. Os dois mineiros da primeira divisão abocanham a segunda maior fatia: R$ 12,5 milhões, cada. No total, o montante investido em futebol vai ultrapassar os R$ 100 milhões, já que a empresa também imprime a marca em campeonatos como a Copa do Nordeste e o Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino.

O esporte faz parte da rotina da instituição desde a década de 1970. Em mais de 40 anos, o banco já associou o nome a automobilismo, atletismo, vôlei e basquete, entre outras modalidades. Hoje, investe o dinheiro em quatro modalidades olímpicas e 13 paralímpicas. “Na boa, o grande patrocinador do esporte no Brasil é a Caixa”, vende Bordignon, misturando gírias ao sotaque sulista. “Nós patrocinamos o preparo de todo mundo.”

 

Vasco

A iniciativa de se envolver com o futebol partiu da empresa, mas a constante dificuldade dos clubes em conseguir quem aplique (muito) dinheiro fez com que os papéis se invertessem. Desde que o banco decidiu apostar no futebol, os times começaram a aparecer sem muito esforço. “A partir do momento em que você patrocina um, qualquer que seja, todo mundo vem aqui.” O primeiro a embarcar foi o Atlético-PR — “16 de julho de 2012”, lembra Bordignon, meticuloso —, acompanhado pelo Avaí. “Nós assinamos em ‘Floripa’ no dia 17 e, no mesmo dia, houve confronto entre eles no Brasileiro. Os dois entraram com a marca ao mesmo tempo”, orgulha-se.

O esmero paternal com que Bordignon trata do assunto tem origem na própria história dele dentro da empresa. Para chegar ao cargo nacional, o profissional de 48 anos percorreu o caminho piramidal do funcionalismo público. Há 27 anos, entrou por concurso, na área de tecnologia da informação. Depois de residir em mais de cinco cidades, fincou raízes na capital federal. Integra a equipe de marketing da Caixa há doze anos e é quem comanda os contratos de futebol desde o início.

O investimento pesado começou em 2013, quando a Caixa abordou 37 dos quarenta clubes da primeira e da segunda divisões. A ideia não era capitalizar em todos, até porque não havia tanta verba disponível, mas somente 13 equipes conseguiram deixar os papéis em dia.

O crivo é rigoroso. Para receber o patrocínio, o clube precisa preencher uma série de requisitos fiscais. Do lado patronal, é praxe optar apenas por clubes das séries A e B, pela visibilidade que eles podem trazer. A documentação, por parte das entidades de futebol, precisa estar de acordo com a Lei 8.666/93, que trata dos contratos de Administração Pública. Os contratados ainda são obrigados a apresentar Certidão Negativa de Débito.

Além das tratativas com o Corinthians, há duas negociações em andamento. Uma delas é do Atlético-GO, que está em compasso de espera. O outro clube é o Vasco, mas, aparentemente, a diferença entre os valores pedido e ofertado não projeta um desfecho rápido. “Impossível saber se vai dar certo”, diz Bordignon, sem levar fé no cruz-maltino. Nos “acréscimos”, ainda pode pintar um quarto clube: “Tenho uma proposta do Avaí ali em cima”, diz Bordignon, ao apontar para a escrivaninha. “Entregaram para a presidenta (Miriam Belchior) e ela trouxe aqui”, explicou, sem detalhar.

Santa Catarina é a terra natal de Bordignon, que não tem cerimônia para falar sobre o time para que torce. “Sou filho de gaúchos. Na época em que o Inter ganhava tudo. Aí você vai ser o quê?”, justifica. A torcida com traços compulsórios afasta o superintendente do sentimento fervoroso em relação ao futebol. “Se você me perguntar, prefiro assistir ao basquete.”

Vestir a camisa de torcedor não faz parte do perfil do superintendente. Contou de uma entrevista com um jornalista tricolor que, numa escapada da ética profissional, questionou por que a marca não investe no Fluminense. “Respondi que não patrocino o meu time também” — ressaltou Bordignon, confundindo o banco com a primeira pessoa — “porque não existe gosto ou preferência. A gente vê o que o cara tem para entregar e daí patrocina.”

O distanciamento que Bordignon adota para tratar de futebol obriga que ele tenha um olhar crítico quando vê jogos dos times patrocinados. “Assisto como observador da marca, não estou no bar bebendo um ‘chopinho’ com os amigos”, exemplifica, com voz de queixume. Com a hora extra voluntária nas noites de quarta e nos fins de semana, o trabalho acaba sendo dobrado. “Se você colocar isso aí, vou acabar apanhando de outros setores, mas considero que a gente trabalha mais sim”, diz o gerente.

 

Ayrton Senna

No cômodo em que Bordignon trata dos patrocínios, uma estante em formato de X, tingida com as cores do logotipo do banco, sustenta meia dúzia de troféus esportivos, apenas de valor simbólico. A quinquilharia é proveniente dos eventos que o banco promove — de corridas de rua a projetos culturais. Até um pandeiro, que Bordignon faz questão de esconder na hora da foto, completa a decoração.

O toque pessoal está na prateleira de baixo, onde se vê uma miniatura do capacete do ídolo Ayrton Senna, tricampeão mundial de Fórmula 1. “Era o cara que me fazia não sair de casa aos domingos”, relata. O piloto nunca foi patrocinado pela Caixa; estampou, por toda a carreira, a marca do extinto Banco Nacional. Nada que diminua o valor sentimental dele para Bordignon. “Gravava as corridas no videocassete”, lembra.

Entre acordos milionários e personalidades infladas, a sala de reuniões guarda mais segredos do futebol do que seus oito metros quadrados podem conter. “Acontece muita coisa dos bastidores aqui, mas acho que não tem mais nada que eu possa contar”, resume Bordignon.