Futebol Nacional

VIOLÊNCIA NOS ESTÁDIOS

Final da Sul-Americana encerra temporada marcada por badernas nos estádios

Entorno do Maracanã se tornou palco de batalha civil em Flamengo x Independiente. Torcedores ameaçam não voltar às arquibancadas

postado em 15/12/2017 10:39 / atualizado em 15/12/2017 11:16

AFP/Mauro Pimentel
O ano de 2017 do futebol brasileiro ficará manchado por tragédias ligadas a eventos esportivos. E a violência registrada na quarta-feira, antes e depois do jogo entre Flamengo e Independiente, pela final da Copa Sul-Americana, fez com que a última impressão deixada na temporada fosse a pior possível.

O entorno do Maracanã — palco de duas finais de Copa do Mundo e de grandes eventos relacionados aos Jogos Olímpicos, em 2016, e Pan-Americanos, de 2007 — se tornou palco de batalha civil na quarta-feira, reprimida pela polícia com gás de pimenta e bombas de efeito moral. O próprio estádio foi invadido por dezenas de torcedores sem ingressos e também houve depredação de instalações.

Para o especialista em segurança pública Antônio Flávio Testa, os casos ocorridos na cidade evidenciam que os grandes eventos — e a certeza da impunidade, se transformaram em pretextos de torcedores para a prática de crimes.

“Esses momentos ligados a decisões de futebol, ainda mais envolvendo duas grandes torcidas, extravasam uma série de ações. Alguns agem de forma sadia e outros aproveitam essa grande celebração para cometer crimes. Dentro das torcidas há criminosos”, alerta o professor da Universidade de Brasília (UnB).

O especialista frisa que tamanha insegurança faz com que as pessoas se afastem cada vez mais dos grandes eventos esportivos. “O discurso do Estatuto do Torcedor é levar as famílias aos estádios, mas essa violência crescente afasta. E, infelizmente, não é algo que se possa mudar. Uma coisa é o discurso, a outra é a realidade.”

O advogado carioca Ruan Lucas Gouvêa, 26 anos, é um dos exemplos dessa situação. O torcedor esteve no Maracanã para acompanhar o Flamengo na decisão. Ele saiu do estádio decidido a se afastar do futebol por conta dos recorrentes problemas de segurança registrados nos eventos esportivos sediados no Rio de Janeiro.

“Só este ano, foi o terceiro que enfrentei. No clássico contra o Botafogo e na final da Copa do Brasil contra o Cruzeiro foi bem parecido”, lembra. “Agora, vou me afastar por um bom tempo dos estádios. Esse tipo de situação de violência desgasta muito. Esse afastamento dói na alma, mas não tem jeito”, lamenta.

O estudante brasiliense Victor Chaves, 22, também esteve no Maracanã para torcer pelo time do coração, mas saiu receoso com o que presenciou e classificou a situação como a “mais complicada que viveu” em praças esportivas. Ele lembrou que também havia enfrentado problemas em jogos realizados no Mané Garrincha, como o confronto entre polícia e torcida na partida Flamengo x Palmeiras, pelo Campeonato Brasileiro de 2016.

“Só não fiquei com muito medo porque vivi algo parecido. É lamentável. A partir dos 37 minutos do segundo tempo, começou a quebradeira de extintor, de cadeiras... Na hora de sair, tive de dar uma volta enorme para fugir das confusões e das correrias. Estava com a minha namorada, tinha muita família e crianças”, relata.

Faltam ações preventivas

O especialista em segurança pública Antônio Flávio Testa afirma que os distúrbios, como os vistos na final da Copa Sul-Americana, são um reflexo da intolerância da sociedade. “Seguramente, tem um impacto psicossocial muito forte, principalmente no Rio de Janeiro, que vive uma intensa guerra ao narcotráfico. Roubaram e fizeram baderna porque são bandidos e vândalos. Isso é um problema de educação”, argumenta.

O Rio de Janeiro está entre os estados que têm efetivo policial voltado para agir especificamente em eventos esportivos. Testa salienta a importância da atuação do Grupamento Especial de Policiamento em Estádios (Gepe), mas lembra ser necessário que o Estado opere preventivamente para evitar badernas como as que ocorreram no Maracanã.

“Uma questão séria é que quem organiza os campeonatos é a iniciativa privada. Quando há problemas surge o argumento: de quem era a responsabilidade, da PM ou da segurança privada? O Estado tem de definir como funcionará, tem de se planejar para garantir a segurança. Isso aconteceu por falta de vontade gerencial e política”, ressalta.

Antes da decisão da Sul-Americana, 50 torcedores acabaram detidos por conta da confusão causada durante um foguetório na porta do hotel onde a delegação do Independiente estava hospedada. No dia da partida, foram cinco — quatro tiveram a prisão preventiva decretada e um responderá às acusações em liberdade. “A leniência é muito grande. Quem comete determinados crimes logo é solto, e a população não acredita na Justiça. A lei brasileira só funciona para determinadas situações. E acaba tendo esse tipo de acontecimento”, complementa o especialista.

Testa lembra que muitos dos problemas de segurança acontecem em jogos de grande magnitude, como clássicos e decisões, e devido às torcidas organizadas, sendo necessário que o Estado controle a ação desses grupos. “Flamengo x Fluminense, Corinthians x Palmeiras, Inter x Grêmio, Cruzeiro x Atlético-MG e tantos outros têm uma rixa muito forte, mas, quando começam a acontecer crimes, saem do âmbito do esporte”, frisa. “É preciso identificar os criminosos entre as torcidas. Se o Estado quiser, consegue fazer, mas o problema é a falta de vontade para tornar isso uma política pública eficiente.”

Fla diz que pediu reforço policial

Em nota publicada no site, o Flamengo expressou indignação com a violência no Maracanã e se disse solidário com todos os torcedores que foram afetados “pela selvageria, a violência e a falta de cidadania daqueles que provocaram tumulto antes e depois da partida”. “A confusão antes do jogo foi provocada primordialmente por um grande número de pessoas tentando entrar no estádio sem ingressos, o que, infelizmente, é um hábito comum e histórico em todas as partidas de grande apelo do clube no Maracanã”, diz a nota. O clube afirmou também que notificou o Comando Maior da Polícia, assim como  Gepe, 6º Batalhão (Tijuca) e a Guarda Municipal, solicitando o maior efetivo possível, dado o grande apelo da partida. Além disso, informou ter contratado quase mil seguranças privados dentro do estádio. 

Memória

Rio de Janeiro
»  Em 13 de fevereiro, Diego Silva dos Santos, 28, torcedor do Botafogo, foi morto por um flamenguista com espeto de churrasco a caminho do Estádio Nilton Santos antes do clássico entre as duas equipes.

»  Em 8 de julho, o torcedor do Vasco Davi Rocha, 27, perdeu a vida com um tiro no tórax durante confusão generalizada em São Januário após a derrota do cruz-maltino para o Flamengo.

São Paulo
»  Em 13 de julho, um torcedor palmeirense morreu esfaqueado por um corintiano após o duelo entre as duas equipes. Leandro de Paula Zanho, 38, foi atingido por dois golpes de facão e não resistiu aos ferimentos.

Salvador
»  Em 9 de abril, o torcedor do Bahia Carlos Henrique Santos de Deus, 18, foi assassinado a tiros enquanto deixava a Fonte Nova depois do clássico Ba-Vi. Outro torcedor acabou sendo baleado ao deixar o estádio, mas sobreviveu.

Curitiba
»  Em 19 de fevereiro, antes do clássico Atletiba, Leonardo Henrique Brandão, 17, foi morto nos arredores do Couto Pereira, baleado por um sargento da Polícia Militar. O PM contou que disparou acidentalmente quando colocava uma submetralhadora na cinta que segura a arma.

Goiânia
»  Em 24 de junho, Davi Ícaro Silva, 21, morreu baleado na nuca a caminho do clássico entre Vila Nova e Goiás. O torcedor esmeraldino estava numa moto quando o motorista de um carro emparelhou e disparou vários tiros.
 
*Estagiários sob a supervisão de Cida Barbosa