Futebol Nacional

MERCADO

Clubes adotam a prática do nepotismo e admitem a contratação de parentes

Fla e São Paulo começam temporada com pais e filhos na comissão técnica. Favorecimento é comum nas seleções e até no futebol europeu

postado em 11/01/2018 10:12

Gilvan de Souza/Flamengo
Virou combo. Contrate o pai, leve o filho. Até pouco tempo, o dedo indicador acusaria nepotismo: favorecimento a parentes. Mas o mercado do futebol parece ter riscado o substantivo do dicionário. A prova mais recente aconteceu no Flamengo. Anunciado na última segunda-feira como novo técnico rubro-negro, Paulo César Carpegiani terá como um dos seus auxiliares o herdeiro Rodrigo Carpegiani. A parceria vem de longa data. São Paulo, Vitória, Ponte Preta, Coritiba e Bahia aceitaram a venda casada. O clube carioca não fugiu à regra. Curiosamente, a prática não é exclusividade do futebol brasileiro. Alastrou-se pelo mundo da bola.

A temporada começa com Dorival Júnior à frente do São Paulo. Lucas Silvestre é o braço direito do pai. A presença do auxiliar na comissão técnica causou ruídos no Santos. Em entrevista ao programa Bola da Vez, da ESPN, o comandante saiu em defesa do filho. “Ele é muito competente, e isso provoca ciúmes. Tem um grupo de 80 pessoas com o qual você convive diariamente. Algumas pessoas não vão gostar de você”.

Lucas Silvestre admite que tem mais facilidade grudado na barra da calça do pai. “Por um lado, eu pude ter uma facilidade maior para entrar no futebol e trabalhar, me dá uma liberdade muito grande para introduzir pensamentos e exercícios, que eu não teria com outro treinador. Por outro lado, muitas vezes sofro com uma cobrança absurda que um profissional normal, na mesma área, não sofreria”, comparou, em 2016, ao UOL.

Desempregado, Alexi Stival, o Cuca, não abre mão de Eudes Pedro em seus contratos. Quem? Conhecido no futebol como Cuquinha, o irmão do treinador é seu auxiliar. “Acho que não nasci para ser jogador (risos), ficava muito tempo no banco. Daí, aprendi a ver um pouco o jogo e o Cuca me convidou para trabalhar com ele. Minha carreira (como jogador) foi curta”, disse à TV Galo quando trabalhava no Atlético-MG. Na segunda passagem de Cuca pelo alviverde, comentários de Cuquinha nas redes sociais incomodavam a diretoria. Em um deles, mandou recado de que o irmão não estava negociando para retornar à China.

Os laços de família também são práticas comuns nas seleções. Adenor Leonardo Bachi, o Tite, tem como auxiliar o filho Matheus Bachi na Seleção Brasileira. Foi assim no Corinthians. O “combo” chegou a gerar problemas para a CBF. O Código de Ética da entidade vetava a contratação de parentes e o texto foi alterado.

“Achamos que, quando foi contratado o filho do Tite, não houve dúvida, a qualificação é total. Entendemos que deveria ficar bem claro que, no sistema do futebol, há mérito, qualidade pessoal. Não queremos deixar dúvida. O texto está bem adaptado. A questão do nepotismo se aplica à direção do futebol, à administração”, justificou, na época, o secretário-geral da CBF, Walter Feldman.

A parceria entre Tite e Matheus lembra a do técnico Luiz Felipe Scolari e do preparador físico Darlan Schneider na Copa de 2002. Tio e sobrinho trabalharam juntos na conquista do penta. Tite não perde a oportunidade de destacar o papel do filho no trabalho da comissão técnica. Na estreia contra o Equador, por exemplo, o herdeiro teria sido fundamental no lance do primeiro gol. Casemiro lança Gabriel Jesus e o camisa 9 sofre pênalti. Neymar cobrou e abriu o placar na goleada por 3 x 0.

“Eu percebi que o Casemiro era o único do meio que tinha liberdade para furar a última linha deles e que o Jesus estava ganhando na velocidade. Falei isso no vestiário no intervalo”, disse Matheus, em setembro de 2016.

Ex-técnico da seleção do Paraguai, o argentino Ramón Díaz leva para onde vai Emiliano Díaz. Considerado o “nerd” da comissão técnica, é o responsável por criar e ensaiar jogadas de bola parada. Organiza os treinos. Entra em campo antes do pai e deixa tudo prontinho para o coroa de 58 anos escolher os procedimentos. O auxiliar domina as novas tecnologias. No River Plate e no Paraguai, entregava, em nome do pai, um iPad a cada jogador com um aplicativo no qual estavam todas as informações sobre os rivais. Era o dever de casa.

Ancelotti: uma comissão técnica tamanho família

AFP/Daniel Karmann
Atual técnico do Atlético-MG, Oswaldo Oliveira fechava contratos levando o irmão, Waldemar Lemos, a tiracolo. Hoje, o brother segue carreira solo. Quem contratava Silas levava junto Paulo Pereira. Foi assim, por exemplo, no Flamengo. Emerson Leão não abria mão do sobrinho e preparador físico Fernando. Em 2005, Valdir Espinosa trouxe para o Brasiliense o filho Rivelino. Nelsinho Baptista empregou durante um bom tempo o filho Eduardo, atualmente treinador. Mas nenhum deles supera o “combo multi” de Carlo Ancelotti.

Nas passagens por Real Madrid, Paris Saint-Germain e Bayern de Munique, o badalado técnico italiano empregou dois parentes e o seu preparador físico Giovanni Mauri, um. Na passagem pelo clube bávaro, Carlo Ancelotti nomeou o filho, Davide Ancelotti, seu auxiliar. Contratou ainda o noivo de sua filha Katia, Mino Fulco, para ser nutricionista. Missão: orientar os jogadores na utilização de suplementos alimentares. Para completar, o preparador físico Giovanni Mauri emplacou o herdeiro Francesco na folha de pagamento.

Na passagem pelo Real Madrid, o inchaço da comissão técnica chegou a ser comparado com a época em que Vanderlei Luxemburgo trabalhou no clube, em 2005. “Com Carlo Ancelotti, voltamos aos tempos de Patrícia Teixeira”, teria reclamado um funcionário do clube em entrevista ao diário espanhol AS, uma referência à nutricionista levada pelo técnico brasileiro.