Futebol Nacional

ENTREVISTA EXCLUSIVA

Lições do River Plate para o Cruzeiro: veja como Matías Almeyda reergueu o River Plate da série B

O técnico argentino conta como conduziu o clube ao título da segunda divisão e abriu caminho para a era dourada

postado em 16/12/2019 12:06

(Foto:  AFP / ULISES RUIZ)
Os 11 títulos do River Plate em seis anos, com direito a uma conquista da Sul-Americana (2014), o bi da Libertadores (2015 e 2018) e o vice no Mundial (2015), dão a impressão de que Marcelo Gallardo é o único responsável pela era dourada do clube argentino. Só que não. Alguém precisou fazer o trabalho sujo, ou seja, tirar os millonarios do fundo do poço em que se encontravam naquele 26 de junho de 2011, quando o time centenário empatou por 1 x 1 com o Belgrano, no Monumental de Núñez, e amargou o inédito rebaixamento para a Primera B Nacional — como é chamada a segunda divisão do Campeonato Argentino.

O técnico Juan José López não havia conseguido o milagre de derrotar o Belgrano, em casa por dois gols de diferença, para evitar a queda. A primeira medida do então presidente Daniel Passarella depois do descenso foi olhar para um ídolo do clube, o ex-defensor Matías Almeyda, com 37 anos à época, e alçá-lo ao cargo de comandante do River Plate na segunda divisão do Campeonato Argentino. No fim das contas, uma bela sacada. 

Em entrevista ao Correio, Matías Almeyda, atual técnico no San José Earthquakes da Major League Soccer (MLS), conta como levou o River Plate ao título da segunda divisão na temporada 2010/2011 e manda conselhos à diretoria do recém-rebaixado Cruzeiro. Durante o bate-papo, Almeyda disse que conhece a força do time celeste nas competições continentais e a força da torcida nos gramados de Minas Gerais. “O Cruzeiro é um clube tradicional da América do Sul, tem uma grande torcida, não pode ficar onde está e precisa regressar rapidamente à primeira divisão”. elogia o treinador.

Segundo Matías Almeyda, um dos trunfos para o retorno do Cruzeiro à elite é a unidade do clube. “Jogadores, dirigentes e torcedores precisam e unir para que o time jogue futebol com tranquilidade. É assim em qualquer divisão, mas principalmente na Série B”, adverte. O técnico do River Plate na segunda divisão admite o choque de realidade no início da competição. “A superação das dificuldades depende muito do treinador. Ele precisa entender rapidamente que o campeonato é outro. Quando se cai para a Série B da maneira que o River Plate e o Cruzeiro  caíram, é preciso começar do zero. Por isso, insisto: a paciência e a união são fundamentais a partir do momento em que a competição  começar”.

Um dos trunfos da campanha do River Plate foi a manutenção do elenco rebaixado para a Série B. “O plantel era praticamente o mesmo. chegaram alguns jogadores que haviam passado pelo clube, mas a nossa situação econômica era muito ruim. O River não podia comprar e atravessava um momento político complicado em todos os sentidos. Isso afetava a gente na segunda divisão, mas tivemos paciência para suportar”, recorda. 

O elenco do River Plate tinha até um campeão mundial. O francês David Trezeguet desembarcou em Buenos Aires para comandar o ataque. Matías Almeyda também contava com Cavenaghi e Carlos Sánchez, atualmente no Santos. “Alguns jogadores chegaram por amor à camisa, outros queriam agregar experiência. Havia muita pressão, mas conseguimos formar um grupo excelente, unido e disposto a enfrentar um ano dificílimo. Foi um ano duro, porém muito especial”, emociona-se o treinador. Outro plano de ação do River Plate na Série B foi aproveitar o  torneio para dar milhagens aos jogadores das divisões de base. “O desafio foi grande. Lançamos Funes Mori, Germán Pezzella, Luciano
Abecacis, González Pirez, jovens que contribuíram naquele momento”.

A experiência de quem teve sucesso no ano mais dramático da história do River Plate permite Matías Almeyda dar conselhos ao Cruzeiro.“Com fé, união, tranquilidade, o apoio da diretoria, da torcida e um bom projeto, sairá dessa situação. É preciso estar ciente de que juntos será mais fácil. Do contrário, vai ficar muito difícil sair dessa situação”.
 
 
A profecia ironizada  
 
Sete anos depois do título, Matías Almeyda mantém discurso humilde. Questionado sobre qual é lugar dele no trabalho de reconstrução do River Plate, respondeu: “Não sou a pessoa indicada para definir isso. O que posso dizer é que, ao longo daquela campanha, eu disse que o River Plate seria o futuro Barcelona da América do Sul. Muitos riram na Argentina. Eu creio que o tempo se encarregou de me dar razão”, orgulha-se o treinador.
  
O River Plate empilhou 14 títulos depois da conquista da Série B. Dez deles sob a batuta de Marcelo Gallardo. Ganhou a Sul-Americana em 2014, o bi da Libertadores, chegou a quatro semifinais do torneio em cinco anos e ao vice no Mundial de Clubes da Fifa na edição de 2015 justamente contra o... Barcelona. Um dosmotivos do bom trabalho deMatías Almeyda na Série B foi o apoio extracampo. “O Daniel Passarella havia sido meu treinador.
 
Era o presidente quando fomos rebaixados e quem me deu a oportunidade de ser o técnico do River Plate na segunda divisão”, lembra. Apesar da juventude, Matías Almeyda conta que aprendeu muito naquela Série B. “Tenho oito anos de profissão, mas tudo o que aprendi aconteceu em um ano à frente do River Plate. De repente, eu tinha que comandar um grupo do qual eu fazia parte. Assumi o elenco uma semana depois de ser rebaixado com eles como jogador (volante). Foi um ano duro, mas que me deu muitas alegrias e ensinou conceitos.
 
A transição de jogador para técnico me fez enxergar o futebol de uma forma diferente. Aprendi a tomar decisões rápidas sob pressão.Você sabe o que é comandar o River Plate ou o Boca Juniors, os maiores do futebol argentino. Em menos de um ano, estávamos de volta à primeira divisão”, orgulha-se. Em férias depois da temporada da Major League Soccer, Matías Almeyda comanda o San Jose Earthquakes há um ano. A prétemporada começa em 20 de janeiro.
 
Campeão da segunda divisão pelo River Plate em 2011/2012, ele repetiu o feito no Banfield na temporada 2013/2014. Ganhou cinco títulos à frente do Chivas Guadalajara no México, entre eles a Champions League da Concacaf em 2018, abrindo as portas da MLS. Atento ao sucesso do português Jorge Jesus e do compatriota Jorge Sampaoli no Brasil, Matías Almeyda espera conquistar em breve o mercado brasileiro. “Sonho, sim, em trabalhar aí. É um futebol lindo, belo país, mas isso não depende apenas de mim”, riu.


QUEM É ELE
 
Matías Jesús Almeyda
Nascimento: 21/12/1973 (Azul, Argentina)
Posição nos tempos de jogador: volante

Clubes como atleta: River Plate (1991-1996), Sevilla (1996-1997), Lazio (1997-2000), Parma (2000-2002), Internazionale (2002-2004), Brescia (2004-2005), Quilmes (2005), Lyon (2007), Fénix (2009) e River Plate (2009-2011).

Títulos: Libertadores (1996), Campeonato Argentino (1993, 1994 e 1996), Campeonato Italiano (1999-2000), Copa Itália (1997-1998 e 1999-2000) 
Seleção Argentina: 40 jogos, 1 gol

Times como técnico: River Plate (2011-2012), Banfield (2013-2015), Guadalajara (2015-2018) e San Jose Earthquakes (desde 2019)

Títulos: Primera B Nacional (2011-2012 e 2013-2014), Liga MX Clausura (2017), Copa MX Apertura (2015), e Clausura (2017), Supercopa MX (2016) e Champions League Concacaf (2018)