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NEGÓCIOS

Seis times da Série A investem em fabricação própria de material esportivo

Estratégia proporciona maior arrecadação, controle dos produtos e engajamento dos torcedores, mas é alvo de críticas de especialista em marketing

postado em 06/02/2020 23:47 / atualizado em 07/02/2020 00:03

(Foto: Felipe Oliveira / EC Bahia)

Em 2020, seis times da Série A vão usar material esportivo de produção própria. O número representa o dobro em relação às equipes que disputaram a elite no ano passado. Atlético-GO, Bahia, Ceará, Fortaleza, Goiás e Coritiba estampam marca exclusiva nas camisas. A insatisfação com modelos contratuais, atrasos na entrega de material, aumento da adesão do torcedor e busca por maior arrecadação financeira são os principais motivos do empreendedorismo.
 
O Bahia foi o primeiro time da primeira divisão a contar com marca própria de material esportivo. A criação foi apontada como principal missão da equipe de gestão do presidente do clube, Guilherme Bellintani. “Fizemos estudo de casos, de mercado e mostramos ao torcedor que a marca própria proporciona praticamente triplicar a receita”, disse Lênin Franco, gerente de negócios do Bahia. 
 
O tricolor baiano procurou o Grupo Dass, fábrica que terceiriza a produção de Nike, Adidas e Umbro – esta última era a antiga marca de material esportivo do clube. “Como faziam o material Bahia Umbro, que tinha parte dos insumos como escudos e padrão de cores, encurtamos o caminho. Tiramos o intermediário e fomos direto para a fábrica”, explicou o gerente de negócios. A marca Esquadrão foi lançada em setembro de 2018. De acordo com o gerente de negócio do Bahia, o objetivo da equipe é transformar a receita em investimento no próprio futebol. 
 
De acordo com Lênin Franco, a parte de criação e enxoval é feita basicamente pela torcida. Tanto em 2019 como neste ano, o Bahia abriu um concurso popular para que os interessados desenhassem os uniformes e mandassem a proposta para o clube. Primeiro, ocorre uma pré-seleção. Depois, é feita uma votação popular na internet com as melhores opções, e o torcedor escolhe qual será o uniforme um, dois e três da temporada. “Isso faz com que a gente consiga um engajamento muito maior e consequentemente um potencial de vendas maior, pois assim o torcedor se sente representado por ter criado e escolhido o que o clube vai usar”, aponta.

Manchas de óleo
Em outubro de 2019, o tricolor baiano usou na partida contra o Ceará uma camisa em protesto contra as manchas de óleo que atingiram as praias nordestinas. “Com a marca própria, você tem mais flexibilidade, porque a decisão passa apenas pelo clube. Com as grandes marcas, seria preciso passar por aprovação e, às vezes, em instâncias fora do Brasil. Há padrões internacionais que precisam ser seguidos e você não consegue fazer. Com a marca própria, a gente faz do jeito que bem entender”, defende Lênin Franco. 
 
A iniciativa faz diferença no bolso do torcedor. Antes da marca própria, a camisa oficial do Bahia custava R$ 249. Com a logo do Esquadrão, a peça passou para R$ 219. Para o sócio torcedor, R$ 199. “Nós dobramos o número de venda de camisas. Em termos de faturamento, triplicamos. Temos a loja própria, o que impulsiona as vendas. A nossa margem também é maior, pois vendemos a preço de varejo”, comemora.
 
O aparente sucesso da estratégia, no entanto, é alvo de críticas. Ivan Martinho, professor de marketing esportivo da ESPM, define a iniciativa dos clubes como “jabuticaba, algo que só tem no Brasil”. De acordo com ele, isso não acontece em outros países. “O clube tem de lembrar que a finalidade não é ser varejo, não é fazer design, isso é para marcas de roupa. O negócio do clube é entregar a melhor experiência técnica de futebol nos estádios e isso dá um trabalho enorme”, destaca. 
 
De acordo com Martinho, o intermediário paga para participar do processo. Após seis anos de contrato com a Adidas, atualmente o Flamengo recebe R$ 17,7 milhões da marca alemã, além de premiações bônus de conquistas de campeonatos, como R$ 300 mil pelo Estadual e R$ 2 milhões pela Libertadores. “Se realmente vale a pena produzir a própria camisa, por que o Flamengo e os grandes times da Europa continuam com as marcas tradicionais?”, questionou. 

(Foto: Paulo Marcos / Assessoria ACG)

Empreender contra o inconformismo


Após anos de descontentamento com as marcas de material esportivo, o Goiás decidiu realizar um desejo antigo: lançou o próprio selo do time. “Durante anos, as grandes marcas nos ofereciam vantagens, com muitas peças. Mas o Goiás e outros clubes perceberam que as marcas começaram a não cumprir as promessas”, disse Marcelo Almeida, presidente do esmeraldino. 
 
De acordo com o mandatário, as marcas atrasavam a entrega dos materiais ou chegavam sem a qualidade solicitada pelo time. “Em certa ocasião, tivemos de contratar a fábrica da marca e pagamos do bolso para conseguir o que nos era devido. Isso provocou um profundo descontentamento. Hoje, com a marca própria, vivemos só alegrias”, conta. 
 
O clube decidiu colocar um ponto final no contrato com a Topper e, em julho de 2019, inaugurou a marca Green 33. “Agora, conseguimos lançar o material na data que queremos, não temos mais problema de material chegar atrasado. Nossa loja está sempre muito abastecida e antes havia um desabastecimento geral dos produtos”, comemora.
 
A produção própria, embalada pelos bons resultados da equipe alviverde na Série A, que na temporada passada ficou na 10ª colocação e se classificou para a Sul-Americana, impulsionaram a arrecadação do time com as vendas de camisa. “Está nos trazendo uma boa rentabilidade e atingindo números que jamais atingimos. Esse tipo de produto está relacionado ao desempenho do time nos campeonatos. Se o time vai bem, isso é refletido nas vendas, com o torcedor animado”, analisou o cartola. O bolso do torcedor alviverde agradeceu. A camisa do Goiás é uma das mais baratas da elite do futebol brasileiro. A peça de jogo custa R$ 199, mas existem outros modelos com valores mais acessíveis. 
 
Assim como o rival de estado, o Atlético-GO apostou no projeto de fabricar o próprio material no final de 2018 também por conta da insatisfação com o fornecimento do material. “Fizemos um estudo no clube, começamos a buscar um fabricante que pudesse encabeçar a marca própria e desenvolvemos a logo”, contou o gerente de futebol do clube, Júnior Mortosa. 
 
Em fevereiro de 2019, o rubro-negro lançou a marca Dragão Premium. “Foi um sucesso. A venda de camisas ultrapassou 25 mil peças em oito meses”. De acordo com o dirigente, a campanha do clube, que em 2019 foi campeão goiano e conseguiu o acesso para a elite, foi um diferencial para as vendas. “Não adianta você lançar, se o time estiver em um momento ruim. No ano anterior, comercializamos só 50% do que vendemos nos últimos oito meses”, explicou. Depois da marca própria, o Atlético-GO também investiu na produção da linha casual, que antes não era fabricada.

(Foto: Coritiba/Divulgação)
 

Conflitos com fábricas tradicionais


A busca por uma operação de material esportivo rentável foi o principal motivo para o Coritiba iniciar a criação da marca 1909, em agosto de 2018. De acordo com o presidente Samir Namur, nos últimos oito anos, o Coxa teve pouco retorno financeiro para os cofres do clube. “Em tempo de contrato com a Adidas, em mais de dois anos, a marca faturou aproximadamente R$ 6,3 milhões e repassou apenas R$ 200 mil para o Coritiba. O faturamento é muito baixo, porque as marcas são grandes e impõem aos clubes condições contratuais ruins”, disse o cartola, em entrevista às redes sociais do clube em 2018. 
 
O Coritiba procurou a empresa Bomache, de Fortaleza, que também produz o material independente de Ceará, Fortaleza, Paysandu, entre outros times. Segundo Samir Namur, o que representa a alta lucratividade nesta operação é a inexistência de intermediários para comercializar o material. Em 2019, o clube arrecadou R$ 5 milhões na venda dos produtos da marca 1909. 
 
De volta à Série A na temporada passada, o Fortaleza começou a produzir o próprio material esportivo em 2016, com o selo Leão 1918. Inspirado no Paysandu e depois de uma experiência com a marca italiana Kappa, produzida em São Paulo, o time decidiu fazer parceria com a Bomache, fábrica do estado, também utilizada pelo time paraense. “Nós fizemos um estudo de mercado para criar a marca própria e tem sido mais rentável para o Fortaleza. Além disso, ampliamos o número de lojas e estamos controlando a produção, a distribuição e a venda do produto”, disse Stênio Gonçalves, diretor de planejamento.
 
O rival do estado também aderiu à onda e, em 20 de dezembro de 2019, lançou a marca Vozão. “Optamos pela produção própria por alguns pilares como a agilidade no desenvolvimento do material e produtos, além da possibilidade de ter um retorno financeiro”, disse Lavor Neto, diretor de marketing.
 
Outro objetivo do clube é aumentar a conexão com o torcedor. “A torcida abraçou o projeto e isso mostrou que a decisão foi correta, pois a adesão foi muito grande. Em uma semana, vendemos 10 mil camisas, produzimos mais 15 mil, que devem se esgotar em breve. Em fevereiro, tem mais um lote de 10 mil camisas. Então, estamos falando de um cenário de dois a três meses que chega 35 mil peças”, contabilizou.

*Estagiária sob a supervisão de Fernando Brito