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Homens chegam a receber 234 vezes mais que mulheres no esporte

Correio compara mais bem pagos de cinco modalidades

postado em 01/04/2016 12:15 / atualizado em 01/04/2016 13:35

Gabriela Ribeiro - Especial para o Correio /

Rich Lam/AFP

 

Bons resultados nem sempre são decisivos para definir quem ganha mais — ao menos quando se compara a premiação entre homens e mulheres no esporte. Na última temporada das principais modalidades, as mulheres com desempenho superior ao dos homens ainda faturaram muito menos do que eles. Em levantamento feito pelo Correio, que compara os salários mais altos de cinco esportes, o atleta mais bem pago chega a receber até 234 vezes mais que uma competidora na mesma posição.

Se o pagamento igualitário não é garantido com a entrega de resultados, vira questão de Justiça. Na tentativa de exigir salários paritários, a goleira Hope Solo e a atacante Alex Morgan, com as companheiras Carli Lloyd, Megan Rapinoe e Rebecca Sauerbrunn — cinco das principais jogadoras da seleção feminina de futebol dos Estados Unidos —, entraram ontem com uma ação contra a entidade responsável pela modalidade no país.

Campeã do Mundial do ano passado no Canadá, a seleção feminina recebeu um total de US$ 2 milhões, enquanto os homens faturaram US$ 9 milhões no Brasil na Copa-2014, mesmo sendo eliminados nas oitavas de final. Nos Estados Unidos, elas ainda são unanimidade no esporte olímpico — já levaram o ouro duas vezes e aparecem como favoritas na Rio-2016.

A diferença nas premiações norte-americanas não é exclusividade das grandes competições. Pela seleção, um jogador pode receber até US$ 17,6 mil por uma vitória num amistoso. Em caso de derrota, recebe US$ 5 mil. Por uma partida similar, uma jogadora ganha US$ 1,3 mil somente em caso de triunfo — não há bônus para derrotas ou empates.

Nem o argumento da popularidade justifica tamanha disparidade. A média de público das duas seleções é similar — por volta de 30 mil pessoas por partida em 2015 — e tem igual apelo de espectadores pela televisão.

O problema não é só no futebol feminino dos Estados Unidos. Cinco vezes melhores do mundo, Marta e Messi têm contas bancárias muito diferentes. Ao faturar US$ 26 milhões por temporada, o argentino ganha 65 vezes mais que a brasileira, que leva US$ 400 mil anuais para atuar na Suécia.

 

 

Nível mundial

O esporte que mais escancara a diferença salarial é o basquete. A soma de todos os pagamentos da liga feminina dos Estados Unidos, país que mais bem remunera as atletas, gira em torno dos US$ 11 milhões. Sozinho, o jogador com maior remuneração da modalidade, Kobe Bryant, fatura US$ 25 milhões, sem contar o dinheiro de publicidade. Na modalidade, que não divulga os salários das mulheres, nenhuma recebe mais que o teto de US$ 107 mil.

A história se repete em nível mundial. No golfe, o salário da jogadora com maior faturamento em premiações no ano passado, Lydia Ko, é comparável aos ganhos do número 27 do ranking masculino. Na mesma proporção, o UFC pagou a Ronda Rousey — a lutadora que mais ganhou dinheiro em um único combate — apenas um quarto do que Conor McGregor recebeu neste ano com a maior bolsa da história do torneio.

 

Robyn Beck/AFP
 

Eficiência total, salário pela metade

Ícone do esporte feminino, Serena Williams teve o melhor aproveitamento entre tenistas homens e mulheres na temporada 2015 ao vencer 94,64% dos jogos que disputou. Mesmo assim, a norte-americana embolsou somente metade do que o número um do mundo, o sérvio Novak Djokovic, faturou com premiações de torneios. Os dois atletas venceram exatamente a mesma quantidade de competições na temporada passada — cada um levantou o troféu 11 vezes.

Em recente polêmica sobre o pagamento igualitário, Novak Djokovic afirmou que, pelo público menor que atraem, as mulheres deveriam receber menos nos torneios. O melhor jogador do circuito masculino não se atentou para o fato de que os Grand Slams são os únicos campeonatos que distribuem a mesma quantia para ambos os gêneros. Além disso, a falta de visibilidade do esporte feminino — que não é responsabilidade das próprias mulheres — tem impacto direto na quantidade de público que acompanha a modalidade.

“Se você quiser uma réplica masculina de uma camisa do Pelé ou do Messi, você terá muitas à disposição. Tente procurar uma camisa da Marta”, desafia o professor Orin Starn, da Universidade de Duke, na Carolina do Norte (EUA). Especialista em antropologia do esporte, Starn responsabiliza o mercado pela forma como os torcedores enxergam as modalidades femininas. “A indústria e a mídia esportiva são focadas nos esportes masculinos e isso resulta em menos visibilidade para as mulheres”, explica o norte-americano.

 

Ranking da desigualdade

Apenas duas mulheres figuram no ranking dos 100 competidores mais bem pagos do mundo. Entre premiações e faturamento com publicidade, Maria Sharapova aparece como a atleta com maior remuneração, em 26º lugar. A outra mulher mais bem colocada é Serena Williams. Com os melhores resultados do tênis mundial masculino e feminino em 2015, a tenista americana ocupa apenas o 47º posto na lista.

 

Auxílio salarial

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) paga às atletas da Seleção permanente feminina um auxílio salarial com piso de R$ 9 mil. O grupo, que seguirá reunido até os Jogos Olímpicos, é composto, na maioria, por competidoras que atuam no Brasil e recebem dos clubes, no máximo, R$ 2,5 mil. Com os pagamentos de salários-base, a entidade tenta evitar o êxodo das atletas para o exterior. 

 

Solução distante

Apesar dos feitos positivos que o sexo feminino tem conquistado nas mais diversas modalidades — e, como no caso da seleção dos Estados Unidos, até superando resultados do time masculino —, é difícil prever quando a sociedade vai encarar ambos os circuitos de forma paritária.

“Não sou esperançoso para dizer que os times femininos vão ganhar a mesma prioridade e a recompensa financeira que os homens em um futuro próximo”, lamenta Orin Starn. Para o professor, a mudança de postura da sociedade ainda pode levar muitas décadas. “Espero que daqui a uns 50 anos as mulheres comecem a ter as mesmas oportunidades que os homens no esporte”, ressalta o antropólogo.