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Brasil deixa de visar Top-5 nas Paralimpíadas; foco é iniciação dos atletas

Presidente do Comitê Paralímpico também explica como visa aumentar a participação de atletas mulheres e com deficiências severas no Time Brasil

postado em 01/09/2018 18:02 / atualizado em 03/09/2018 12:35

Leandro Martins/CPB/Mpix
 
 
A dois anos para os Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020, o Brasil deixa de lado a ambição por subir posições no quadro de medalhas nas próximas Paralimpíadas para focar na iniciação e formação dos futuros paratletas do país. Após terminar a Rio-2016 na oitava posição geral, a meta estipulada para a próxima edição paralímpica é ficar entre os 10 países no ranking e conquistar de 60 a 75 medalhas.

Em entrevista exclusiva ao Correio, o presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Mizael Conrado, explica a estratégia que foge ao discurso adotado desde 2009 e nega que o plano seja mais conservador. Há dois anos no comando da entidade, o bicampeão paralímpico de futebol de cinco (para cegos) esclarece que o CPB escapou à crise financeira que assombrou o esporte brasileiro após os Jogos do Rio em 2016 e conta como almeja aumentar a participação de atletas mulheres e esportistas com deficiências severas nas delegações nacionais.

Na Rio-2016, o país visou a quinta posição e acabou na oitava, com 72 medalhas. Foi uma meta equivocada?

Na verdade, nós vamos aprendendo ao longo do tempo. Na atividade esportiva, é impossível estabelecer com exatidão a colocação ou o número de medalhas, porque depende de uma série de variáveis. No esporte, nem sempre ocorre tudo conforme se prevê. Imagina se um atleta que conquista quatro ouros se lesiona, isso impacta absurdamente no resultado do país. Se surge, por exemplo, problema de classificação, que nós podemos ter com a mudança das regras em atletismo e natação. O importante é que o Brasil esteja entre as 10 potências do mundo. Porque duas, três e até quatro posições no quadro de medalhas geral, muitas vezes, se define em detalhes. Essa exatidão pode ser muito mais um exercício de adivinhação do que meramente o produto de um planejamento sério.

Por que se optou por um plano mais conservador para as próximas Paralimpíadas?

Ficar entre os 10 primeiros pode parecer uma meta inferior à do Rio de Janeiro. Mas, se considerarmos que em Londres o Brasil conquistou 47 medalhas e estamos dizendo que na próxima edição vamos conquistar no mínimo 60 medalhas, significa que, apesar de termos a melhor colocação até hoje em Londres com o sétimo lugar, a nossa meta para Tóquio é mais ousada. E, se trabalharmos com a meta máxima de 75 medalhas, é uma quantidade maior do que a que conquistamos no Rio, que foram 72. Sem considerar que no Rio tivemos vagas garantidas para todas as competições e, para Tóquio, vamos ter de trilhar todo o caminho para a qualificação. Logo, nossa delegação será menor. Então, nossa meta é mais ousada do que a do Rio e bem mais ousada do que a de Londres. 

A meta para os Jogos de Paris, em 2024, de 70 a 90 medalhas para o Brasil, é factível?

Além da meta, considerando o alto rendimento e os atletas que são realidade hoje, estamos trabalhando para que a evolução do Brasil seja perene, algo que não tivemos condições de fazer nos últimos ciclos. Quando o Brasil garantiu a sede das Paralimpíadas, em 2009, o país teve de ter como prioridade absoluta a preparação de um grande time para 2016. Hoje, estamos pensando nos Jogos de Tóquio e de Paris, mas com diversos projetos, que vão dar resultado em 2032. Temos um centro de formação que atende crianças a partir de oito anos, em São Paulo, que são nossas escolinhas. Temos 445 crianças inscritas. Vamos organizar, em setembro, o primeiro Festival Paralímpico, que vai reunir mais de 7.200 crianças acima dos 10 anos, muitas delas fazendo o esporte paralímpico pela primeira vez.

Após a Rio-2016, o dinheiro direcionado para o esporte de alto rendimento diminuiu. Isso tem relação com a meta menos ousada para 2020?

Nossos projetos não sofrerão qualquer tipo de problema de continuidade. Perdemos algumas fontes financiadoras, mas conquistamos outras. Basicamente, teremos um pequeno acréscimo, considerando recursos para formação e desenvolvimento. Isso será suficiente para desenvolvermos os projetos que estavam em execução. Temos outros que estamos conseguindo iniciar com os recursos disponíveis e, naturalmente, alguns outros projetos que temos trabalhado para conseguir outros recursos, até porque um dos nossos objetivos é obter mais investimentos privados.
 
Tasso Marcelo/AFP
 

Qual é a expectativa de recursos para os próximos dois anos?

Em torno de R$ 240 milhões a R$ 250 milhões até os Jogos de Tóquio.

Você foi peça-chave na aprovação da Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência, de julho de 2015. Essa lei também aumentou os investimentos no esporte paralímpico?

São vários os aspectos que a Lei da Inclusão traz, como acessibilidade e auxílio inclusão. Para o esporte, a Lei de Inclusão foi o instrumento que nos permitiu continuar com a gestão do esporte paralímpico sem perder recursos. Porque nós tivemos perdas importantes de outros recursos. Pelo Sinconv (Sistema de Convênios do Governo Federal), nós perdemos R$ 40 milhões. O Time Rio não existe mais e alguns outros financiamentos que deixamos de ter. Foram todos eles compensados com os recursos trazidos pela Lei da Inclusão. Outro detalhe é que esses recursos nos dão condições para fazer frente a todos os custos do Centro de Treinamento, que tem uma manutenção cara, até por ser uma instalação de primeiro mundo, que deve custar em torno de R$ 30 milhões por ano.

Nas Paralimpíadas do Rio, falou-se muito em legado para o Brasil. O que realmente é aproveitado atualmente?

O Centro Paralímpico, que só existe por causa das obras para os Jogos do Rio, é uma instalação em que conseguimos atender até 20 esportes, em treinamento e competições. Temos um hotel residencial com capacidade para hospedar 300 atletas. Vamos ter uma área importante de ciências do esporte. É algo que foi muito importante e que vai fazer a diferença para a geração que inicia agora. Foram 172 eventos no ano passado e temos mais 204 previstos para até o fim do ano. No projeto para os próximos 10 anos, o Brasil certamente estará brigando entre as cinco principais potências do mundo paralímpico.

O que mudou da gestão de Andrew Parsons (atualmente, presidente do Comitê Paralímpico Internacional) à frente do CPB para a sua nestes dois anos?

Nossa gestão continua o projeto do desenvolvimento do CPB. Não só do período do Andrew como de gestões anteriores. Mas, por conta do centro de treinamento e de algumas ferramentas, nesta gestão estamos conseguindo criar um projeto de formação e iniciação esportiva. Estamos tendo uma visão muito forte em relação à inclusão da pessoa com deficiência por meio do esporte e por meio de ações afirmativas. Hoje, por exemplo, temos uma meta de que 30% dos profissionais do CPB sejam pessoas com deficiência. Partimos de um funcionário com deficiência em 2017 para 52, em 2018. Então, é uma sequência do projeto, mas, até por causa da necessidade que o comitê teve desde 2009 de fazer uma participação histórica em 2016, só agora estamos conseguindo fazer ações que não foram possíveis nos ciclos passados.

O CPB criou indicadores para mensurar a participação de mulheres e de atletas com deficiências severas nas delegações nacionais. Qual o objetivo disso?

Trabalhamos pensando em equidade do ponto de partida. As pessoas precisam ter as mesmas oportunidades e, claro, depois até admitimos a meritocracia, mas dentro de um contexto justo. Quando o ponto de partida é diferente, só a meritocracia é, no mínimo, desigual. E percebemos que tanto as mulheres quanto as pessoas com deficiências severas têm mais dificuldades para acessarem o esporte. Nosso compromisso é criar essas oportunidades. No centro de formação, temos transporte para todas as crianças, mas principalmente para as com deficiências severas. Da mesma forma, prevemos que essa pessoa possa ter direito a alguém exclusivamente para acompanhá-la, como uma espécie de cuidador, por conta do alto grau de limitação. A participação feminina ainda está aquém daquilo que gostaríamos. Estabelecemos a meta de que a delegação brasileira classifique o número máximo de mulheres nas vagas femininas oferecidas nas competições internacionais. Claro que, para isso, vamos ter de fomentar a participação feminina internamente. Então trouxemos para o nosso planejamento indicadores que possam medir o aumento da participação tanto das mulheres quanto das pessoas com deficiência severas.