Vôlei

ENTREVISTA

Técnico José Roberto Guimarães não descarta convocação de Tiffany

Treinador comenta sobre o desafio de fundar um novo time e da polêmica sobre transexuais no esporte

postado em 17/02/2018 13:05

AFP/Olivier Morin
Aos 63 anos, cabelos grisalhos e passos tranquilos, José Roberto Guimarães transparece uma calma incomum à beira das quadras de vôlei. Após quase três temporadas dedicados exclusivamente à Seleção Brasileira feminina, o técnico tricampeão olímpico voltou a comandar um clube, depois das Olimpíadas do Rio-2016 — em que o Brasil caiu nas quartas de final para a China.
 
Por sinal, um projeto concebido por ele mesmo desde o início e sem verba inicial. A aposta vingou, com as conquistas do Barueri na Taça Prata e na Superliga B, levando a equipe à elite do país logo no primeiro ano. Em passagem por Brasília, na reta final da primeira fase da Superliga Feminina 2017/2018, Zé Roberto conversou com o Correio com exclusividade.
 
Sediado em Barueri (SP), cidade que escolheu para viver há mais de 30 anos e onde mantém um centro de treinamento desde 1994, o treinador correu contra o relógio para montar uma equipe a tempo de participar da Taça de Prata, terceira divisão nacional. Fez um caminho oposto ao usual e convidou jogadoras desempregadas para trabalhar com ele, mesmo sem garantia de receber.
 
Atualmente, na quinta colocação da Superliga Feminina, ele assume um discurso humilde para quem tem a autoridade de comandar a Seleção Brasileira há 14 anos e diz que “terminar entre os quatro melhores seria um sonho”. Em tema polêmico, afirma que pode convocar a transexual Tiffany para a Seleção feminina.

Veja a íntegra da entrevista com José Roberto Guimarães

Como surgiu o projeto do time de vôlei de Barueri? Foi por observar jogadoras desempregadas? 
 
Na verdade, surgiu da vontade de montar categoria de base, porque em 2016 eu fui convidado para trabalhar com este objetivo na Seleção Brasileira. Eu gosto de saber da onde as meninas vêm. Percebi que a categoria sub-20 contava com quatro meninas que se desenvolveram na base do Barueri e que haviam ido para o Bradesco porque as categorias de base do Barueri acabaram. Depois, na sub-17 da Seleção, havia mais três meninas de Barueri. Pensei que aquele trabalho não podia acabar. Além disso, eu tinha a vontade de montar um projeto na cidade que escolhi para viver.

Após mais de dois anos dedicados exclusivamente à Seleção Brasileira, como foi voltar a comandar um clube?
 
As temporadas das seleções e dos clubes são diferentes. Com a Seleção, o calendário vai de maio a outubro, enquanto o da Superliga e dos clubes, de outubro ou novembro a abril. O que poderia acontecer era eu estar treinando um time fora do Brasil. Quando fiquei só no comando da Seleção, fazia um trabalho que podia observar bastante as jogadoras, mas por cerca de cinco meses eu ficava na observação, sem estar em atividade realmente, trabalhando a cabeça, vivendo situações de jogo. Para mim também é muito bom estar em atuação no período em que a Seleção não disputa competições.

Sobre o desenvolvimento das categorias de base, qual a importância de o projeto ter uma equipe adulta?
 
Faz toda a diferença. É um espelho para as mais novas. Quantas atletas profissionais não começaram catando bola na quadra dos treinos dos adultos? Elas ficavam assistindo e, assim, tiveram uma oportunidade de aos poucos integrar a equipe.

Como o projeto conseguiu ser concretizado?
 
Liguei para as jogadoras que eu sabia que estavam desempregadas. Expliquei que não teria como pagar salários em um primeiro momento, que elas poderiam contar com alimentação e alojamento no centro de treinamento de Barueri. Montamos o time às pressas para disputar a Taça Prata. Enquanto isso, eu tentava conseguir patrocínio. Obtivemos a vaga para a Superliga B e, antes de começar o torneio, a Hinode se interessou em patrocinar o time. A empresa seguiu conosco na Superliga A e aumentou o investimento para reforçar o elenco, por ser uma competição de nível mais alto. Conseguimos trazer boas jogadoras, como a Jaqueline. Depois, entramos em acordo com o time da Thaisa, que veio emprestada. Mas também tentamos manter a maioria das jogadoras que estavam conosco desde do começo, até por tudo o que elas fizeram.

A Superliga Feminina está na reta final da primeira fase. Qual a expectativa do Barueri para os playoffs?
 
Estamos muito satisfeitos com a quinta colocação, por termos passado por tudo o que passamos. Foi sofrido, mas estamos conseguindo colocar o projeto para frente. Tivemos uma melhora nas últimas semanas. Teve a chegada da levantadora norte-americana Carli Lloyd e só estamos aguardando uma liberação da Thaisa (central bicampeã olímpica) para ela poder jogar também. A polonesa Katarzyna Skowronska também vem crescendo bastante. Esses jogos restantes serão importantes para nós nos prepararmos para chegar bem aos playoffs.

Dá para sonhar com as semifinais?
 
Chegar entre os quatro neste primeiro ano na Superliga seria um sonho. Mas vamos trabalhar forte.

A Tifanny Abreu é a primeira transexual a disputar a Superliga Feminina e a participação dela vem causando polêmica. Qual sua opinião sobre o tema?
 
Se a Tifanny estiver elegível e mostrar que está capacitada tecnicamente para a Seleção, como vem mostrando, pois está pontuando muito bem na competição, ela pode ser convocada.

E sobre o aspecto social da participação da Tifanny na competição?
 
Cabe aos órgãos responsáveis que têm conhecimento e estudam o assunto decidir. Eu não tenho conhecimento para opinar.

Seu primeiro ouro olímpico foi conquistado no comando da Seleção masculina, em 1992. Depois ganhou mais duas medalhas de ouro com o time feminino. Houve um cuidado especial para trabalhar com mulheres?
 
Na realidade, eu comecei no feminino (entre 1989 e 1991). Depois que fui chamado para ser assistente na Seleção masculina e virei treinador do time, em 1992. Mas toda minha formação ocorreu no feminino. E procurei sempre consultar técnicos da área para entender o metabolismo das mulheres, até porque trabalhamos com alta performance. Além disso, estudei muito, conversei com especialistas, entre eles ginecologistas, para ver como eu, com cabeça de homem, poderia entender as atletas. Porque o funcionamento de homem e mulher é muito diferente e, para trabalhar bem com elas, é preciso aprender tanto aspecto físico quanto de relacionamento. A dica que tenho para dar a outros técnicos, principalmente os que estão começando, é procurar estudar e pesquisar muito para compreender melhor esse universo.

Qual é a sua opinião sobre o sistema de ranqueamento por pontos das jogadoras da Superliga?
 
Há muito tempo declaro que sou contra. Acredito que, com o passar do tempo, o ranqueamento fugiu ao propósito inicial, que era de dar mais equilíbrio à competição. Considero esse sistema ultrapassado. Independentemente de como a nossa equipe estará na próxima temporada, até porque não sabemos ainda como serão as questões de patrocínio, sou a favor do “livre comércio” dentro do vôlei, no sentido de o clube ter liberdade de ir atrás do patrocinador e montar o time que quiser e puder. Faz parte do mundo do vôlei e não sou favorável a punir os clubes ou os patrocinadores limitando as jogadoras que podem contratar.