Flamengo

TRAGÉDIA NO NINHO DO URUBU

O luto em lugar das promessas: conheça a história de Christian Esmério

O goleiro-menino chegou à Seleção Brasileira sub-15. Ele é um exemplo da dimensão da tragédia do incêndio no centro de treinamento do Flamengo

postado em 09/02/2019 06:30 / atualizado em 09/02/2019 09:09

Reprodução/Redes sociais
Maio de 2018. Uma das últimas mensagens de áudio enviadas pelo promissor Christian Esmério Cândido a um dos padrinhos dele no futebol, o treinador de futsal Thiago Martins Dias, emociona. Satisfeito por ter sido convocado para defender a Seleção Brasileira sub-15, grava um discurso comovente. “Vocês nunca desistiram de mim. Falavam que esse moleque não queria nada com nada, mas vocês sempre me acolheram bem, me senti bem perto de vocês. Sou muito grato de coração a você. Dá um abração na família, maior saudade. Não tem noção como sinto saudade de você. Eu queria voltar no tempo”, gravou o carioca nascido em Madureira.
 
Em tom de brincadeira, o goleiro das divisões de base do Flamengo cobrou o padrinho. “Você está me devendo. Jogo na Gávea direto, (você) nunca aparece lá. Só quero ver se tu vai cumprir essa promessa”. Thiago conta ao Correio que não conseguiu ver Christian em campo pela última vez. Vive em Dubai há cinco meses, onde é treinador de goleiros do Al Bataeh. Prometeu conferir Christian ao vivo em alguma passagem pelo Rio. Não deu tempo. Aos 15 anos, o adolescente é um dos 10 mortos no incêndio do fim da madrugada de ontem, no módulo 2 do Ninho do Urubu, o Centro de Treinamento do Flamengo, em Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. 
 
Christian realizou vários dos sonhos de infância. Vestir a camisa de goleiro da Seleção foi um deles. Trabalhou na Granja Comary, em Teresópolis, a casa da Seleção Brasileira na região serrana do Rio. Convocado pelo técnico Dudu Patetuci em novembro de 2018, aproveitou para atualizar o rolo de imagens do aparelho celular. Ficou bem na foto ao lado do treinador do time principal, Adenor Leonardo Bachi, o Tite. “Referência”, legendou. 
 
Em entrevista ao Correio, Dudu Patetuci conta como se rendeu a Christian. “Ele atuou o ano de 2018 pelo Flamengo na categoria sub-15. Eu, como treinador da mesma faixa etária no Vasco, o conhecia devido aos jogos entre as duas equipes. Goleiro alto, de boa técnica e com boa liderança. Muita projeção na carreira. Fez um 2018 muito bom”, relata. Um jogo foi decisivo para Christian chegar à Seleção. Ele brilhou na conquista da Copa Nike Sub-15, em abril do ano passado. Na semifinal contra o Grêmio, o goleiro rubro-negro defendeu um pênalti. Na decisão, mais dois, contra o São Paulo. Herói do título, posou ao lado da taça e afirmou que a conquista ficaria “sempre” na memória.
 
Chamado para assumir a Seleção Sub-15 e comandá-la em um Torneio de Desenvolvimento da Uefa contra Inglaterra, França e Espanha, Dudu Patetuci relacionou Christian em novembro, na primeira convocação. Voltou a chamá-lo no início de janeiro. “Pude conhecê-lo de forma mais próxima e ter a convivência diária. Convoquei o Christian para o segundo período de treinamentos do sub-17 e nos aproximamos mais. Chamei 26 atletas para selecionar 20. Eu não poderia levar três goleiros, portanto, ele não viajou”, conta. 
 
Abalado com a perda, Patetuci descreve o estilo de Christian e chega a chamá-lo de uma forma carinhosa. “Alegre, brincalhão, uma pessoa de que todos os companheiros gostavam muito. Estava sempre rindo e tinha o carinho de todos. Estou muito triste com o acontecimento trágico. Desejo que Deus receba seu espírito com muito amor e que o conforte; assim como os familiares dele e as pessoas que o amam. Obrigado, Christian. Saudades, filho”, emocionou-se o treinador verde-amarelo. 

Religioso

De uma família de muitos irmãos em Madureira, Christian era evangélico. Frequentava a Igreja da Restituição Ministério. Tinha um ídolo que não vestia camisa de goleiro e muito menos usava luvas: a mãe, Adelizia. Em janeiro, escreveu nas redes sociais. “Obrigado, meu Deus, por me permitir ser o filho desta mãe maravilhosa, que me ensinou o que é o amor”. Foi a última parte de um longo texto dedicado a ela.