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Conheça histórias de sucesso de jovens tenistas de comunidades carentes

Paulo André, da capital do país, e Christian Oliveira, do Rio de Janeiro, veem no esporte uma oportunidade para crescer

postado em 22/05/2018 14:50 / atualizado em 22/05/2018 15:34

João Pires/Fotojump
O esporte não é feito apenas de competições e resultados. Claro, para qualquer atleta, esses dois quesitos estão acima de tudo na carreira, mas as histórias por trás dessas conquistas — e, às vezes, derrotas — são fundamentais e inspiradoras para muitos. É o caso de dois tenistas brasileiros que se encontraram em Brasília no início do mês, durante a segunda etapa do ITF Future, torneio que integra o Circuito Internacional da modalidade no Brasil. Um, morador do Itapoã. Outro, vindo da comunidade de Gardênia Azul, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro. Paulo André Saraiva, o brasiliense, e Christian Oliveira, o carioca, chamaram a atenção pela qualidade em quadra e pela persistência em um esporte, até pouco tempo atrás, considerado de elite.

Com 17 anos, Paulo André conquistou, em Brasília, seu primeiro ponto na Associação de Tenistas Profissionais (ATP), no torneio disputado no Clube do Exército. A preciosa conquista veio com a vitória em cima do argentino Lorenzo Gagliardo, logo na estreia. No jogo seguinte, Paulo não conseguiu vencer o sueco Christian Lindell, mas impressionou a todos com o desempenho. 

“É muito legal marcar o ponto em casa. Se a carreira seguir, vou gostar de dizer que marquei meu primeiro ponto aqui”, contou o menino, que completará 18 anos em junho. Ele começou no esporte há oito anos, no projeto Segundo Tempo. Com 12 anos, já competia. Antes de decidir pelo tênis, Paulo chegou a jogar, simultaneamente, o futebol. “O futebol tem muita malandragem e eu não gosto muito desse negócio. O tênis é mais justo”, alfineta.
 
Paulo saiu do projeto do Ministério do Esporte e começou a trabalhar com o técnico Antonio Lindoso, no Clube Nipo. O brasiliense estava chegando aos 14 anos, e os dois decidiram que a profissionalização era o caminho certo. Com isso, veio a rotina puxada. “Treino de manhã e à tarde, e estudo à noite, de segunda a sexta. No fim de semana, mais treino.” 
João Pires/Fotojump

A disposição e a força de vontade precisam estar presentes o tempo todo na consciência de Paulo. Durante o torneio na cidade, ele pegava o tempo todo um papel e lia com atenção. “Distribuição de saque; competitivo todo tempo; pesado e fundo; saltar no saque; paciência;positivo”,mostrava a lista. É assim que Paulo mentaliza a partida. “Consegui lidar bem com a pressão, o nervosismo e acho que me saí muito bem. O ponto era o mais importante na rodada e me senti bem em quadra.”

Para frente 

Paulo e Christian têm outro ponto em comum: eles não olham muito para o passado. O são-paulino Paulo, por exemplo, diz, com humildade, que possui alguns “trofeuzinhos” em casa, mas não sabe informar quantos são. “Já joguei alguns campeonatos brasileiros e cheguei a ser número um do Brasil, quando estava na categoria 16. Este ano, o número de competições diminuiu, mas ainda tem muito pela frente”, conta. Com a conquista do primeiro ponto da carreira, agora ele quer competir partir definitivamente para o Future — que reúne jogadores que estão começando migrando da categoria juvenil para a profissional—, buscar mais pontos e ter mais oportunidades. Segundo ele, o ano de 2018 vai ser de transição, e 2019, ele quer a afirmação no profissional.

“Outro objetivo é conseguir viajar para fora (do país)”, conta. A falta de apoio financeiro atrapalha esses planos, porém. O argentino Gaston Raposo, outro treinador da equipe, explicou para Paulo que a diferença de quem tem recursos e de quem não tem é grande dentro de quadra. “É muito mais fácil para treinar com o melhor equipamento, ter sempre bolas novas, viajar melhor para os torneios. Por exemplo: quando é necessário viajar para São Paulo, uns pegam um avião e chegam lá em uma hora, enquanto outros passam 12 horas em um ônibus.”

Vale até vaquinha virtual 

No ano passado, o Correio fez uma matéria com o Paulo André, contando a história e compartilhando o link de uma campanha para arrecadação de dinheiro. O brasiliense chegou a dar um tempo com a vaquinha virtual, mas agora voltou, a fim de juntar grana para viajar mais. Clique aqui para conhecer o site e doar.

A fome de jogar de Paulo

O técnico Gaston Raposo rasgou elogios sobre o Paulo André. Segundo ele, o brasiliense é diferente de todos os atletas com quem trabalhou. “Ele tem muita garra, fome de jogar, de treinar, de nunca desistir”, aponta. O treinador argentino trabalha com o atleta há pouco mais de um mês, mas já presenciou o bastante para afirmar que, com o esforço dele, o Paulo chega onde quiser. Paulo pensa no futuro, mas não tem pressa. Ele quer seguir “passo a passo para daqui a um tempo ter uma meta maior.”

Para isso, os treinos constantes são fundamentais — ele bate bola no saibro, mas adora a quadra rápida (dura, de cimento) —, assim como buscar a inspiração em outros tenistas. No caso, o ídolo brasileiro Gustavo Kuerten. Paulo nunca o viu atuar ao vivo, porém, assistiu a muitos vídeos de Guga. E admira o backhand do ex-número 1 do mundo, uma das características mais marcantes no jogo do multicampeão. “Ele batia com uma mão só, e eu uso as duas. É um pouquinho diferente, mas se eu tiver metade (do sucesso) que ele teve, já está bom demais.” 

Aquele menino do Rio

João Pires/Fotojump
Seu nome é Christian Oliveira, tem 18 anos e seu amor pelo tênis veio do trabalho do pai, que começou sendo boleiro e depois virou professor do esporte. “Sempre fiquei no clube com meu pai. Eu era muito empolgado para entrar em quadra, sempre queria jogar com os alunos dele”, lembra o carioca, que aproveitou a chance de treinar em dois dos maiores centros de tênis do Rio de Janeiro: primeiro, o Clube Marapendi, aos quatro anos, e depois, aos 11, no Tennis Route, no Recreio do Bandeirante.


Um ano mais velho que o colega Paulo André, Christian tem mais quilometragem e patrocinadores. Ele já participou de competições pela ITF (Federação Internacional de Tênis), como o Mundial Júnior, e de campeonatos brasileiros. Lembra da história lá de cima, de que ele e Paulo não olham para o passado? Pois, Christian perdeu as contas do número de torneios que jogou, assim como os títulos. Faz a matemática de cabeça: uma média 13 certames por ano, sete anos de carreira, 91 no total. “Meu maior título foi o Brasileirão de 2015. Era o que eu sempre quis ganhar e acabei alcançando o número um do Brasil, na categoria 15-16”, lembra. 

A rotina do carioca não difere muito daquela seguida por Paulo. Começa às 8h30 e vai até meio dia, entre aquecimento, treino físico e quadra. Na hora do almoço, estuda. Às 15h, volta para bater bola e trabalhar o condicionamento físico até 19h30. A conciliação entre treino e escola é difícil e cansativa, a ponto de Christian confessar: “Estou indo bem nos dois, mas o tênis é melhor”, sorri. A dedicação tem um objetivo certo e ambicioso — e diferente do passo a passo imaginado por Paulo André: ser o melhor do mundo. Para isso, já se imagina jogando os Grand Slams (quatro maiores torneios do mundo), principalmente Roland Garros e chegando o mais rápido possível ao top 100 do mundo.

*Estagiária sob a supervisão de Leonardo Meireles