FUTEBOL CANDANGO

As aventuras do Gama na Europa

Confundido com o Vasco, deslumbrado no trem-bala e ressentido pela falta do feijão com arroz. O Correio conta as aventuras do Gama na primeira excursão de um time do DF ao Velho Continente

postado em 05/11/2014 11:45 / atualizado em 05/11/2014 12:14

Redação /Correio Braziliense

Minervino Junior/CB/D.A Press

O terceiro copo de chope ainda estava na metade quando o presidente do Gama, Antônio Alves, o Tonhão, recebeu a proposta mais inusitada nos 30 anos de envolvimento com o futebol. Reunido com o empresário Marcio Granada, em um bar da Asa Norte, na noite de 22 de agosto, o cartola esperava ouvir apenas mais um convite para disputar amistoso — o promotor de eventos esportivos havia financiado a partida entre Gama e a seleção da Etiópia, seis dias antes. Ele, no entanto, acenou com o projeto de formar a “Seleção do Distrito Federal” e excursionar pela Europa, em outubro, para atuar contra equipes do continente. Tonhão, incrédulo, bebeu um longo gole antes de retrucar, desconfiado da oferta. “Por que não levamos o Gama?”

O empresário acatou a contraproposta. Após o acordo verbal, o dirigente do alviverde, ainda receoso, exigiu garantias, como comprovantes de reserva no hotel e compra dos bilhetes de ida e de volta da delegação. “Liguei na companhia aérea para confirmar e estava tudo certo, quase R$ 150 mil em passagens. Só assim relaxei”, relembra. Em 5 de outubro, a delegação, formada por 20 jogadores, comissão técnica, diretor de Futebol e presidente, deixou o Brasil rumo a Paris.

O Correio conta os bastidores da primeira viagem de um clube brasiliense à Europa. Da confusão com o quase homônimo Vasco da Gama ao deslumbramento em um trem-bala. Durante os 17 dias na Europa, o Gama atuou em cinco amistosos contra times modestos da Bélgica e da Holanda. Venceu dois, empatou dois e perdeu um.

Bem mais do que entrosar o time para a próxima temporada, a excursão de R$ 300 mil — R$ 60 mil bancados pelo clube brasiliense — teve como objetivo tentar viabilizar a negociação de atletas. O time disputou cinco “amistosos-vitrine” com a esperança de atrair empresários e vender jogadores. Mas a única transferência encaminhada é a ida do lateral-direito Adriano para uma equipe belga não revelada pela diretoria. Caso o acerto se confirme, ele deixará o Brasil em janeiro de 2015.

Para quem não alcançou o sonho de fechar com um time europeu, há motivos de sobra para não desanimar. Tonhão afirma que as aventuras do Gama no exterior não acabam neste ano. “Temos propostas para voltar à Europa, além de convites para visitar a China e os Emirados Árabes em 2015”, detalha. O presidente só não deve se esquecer das prioridades no Brasil: quebrar um jejum de 12 anos sem título, conquistar o Candangão do ano que vem e retornar ao cenário nacional.

Cadê o arroz com feijão?
Antes do primeiro jantar no restaurante ao lado do hotel em La Louvière, a delegação recebeu um aviso: não haveria arroz e feijão no cardápio durante os 17 dias de excursão. Somente macarrão e frango. Os apreciadores da culinária italiana comemoraram, mas parte do elenco não gostou da notícia. Ao fim da viagem, os insatisfeitos reclamaram. “Alguns filhinhos de papai se queixaram. Com certeza, a primeira coisa que fizeram quando chegaram em casa foi voar para a panela”, brinca o presidente do clube, Tonhão. Em Amsterdã, na Holanda, o grupo encontrou um restaurante de brasileiros. Mas puderam matar a saudade da comida só por um dia.

Um trem muito louco
De Paris, primeiro destino do Gama na Europa, a delegação seguiu rumo a Bruxelas, capital da Bélgica, em um meio de transporte inexistente no Brasil. Acostumados à velocidade máxima de 80km por hora dos metrôs brasileiros, os jogadores se deslumbraram com a rapidez do trem-bala. Principalmente, depois do desgaste físico causado pelas 12 horas da viagem de avião. “O trem parece mais uma aeronave na terra”, compara o atacante Léo Veloso. Houve quem tentasse, em vão, fotografar as paisagens belgas pela janela. Algo impossível a 250km por hora.

Unidos na oração
Todas as noites, após o jantar, um grupo de jogadores se reunia no quarto de Pedro Alves. O goleiro agregava os colegas para ler passagens da Bíblia e contar testemunhos. Em uma dessas orações, Léo Veloso revelou um drama aos companheiros: o irmão caçula fora apreendido. O estado emocional da mãe se tornou a única preocupação do atacante, os amistosos ficaram em segundo plano. “Chorava sozinho no quarto, mas graças aos meus parceiros eu pude me concentrar nas partidas”, recorda o atacante.

Dá uma inveja
As partidas contra o Charleroi-BEL e NAC Breda-HOL não ocorreram em estádios, mas nos centros de treinamento dos clubes.
Os times não figuram entre os mais fortes das
ligas nacionais, mas a estrutura de treino impressionou os atletas do Gama. À disposição das categorias de base da equipe holandesa há restaurante, enfermaria, ambulatório e oito campos. “Os campos de grama sintética são melhores que muitos de Brasília”, compara Tonhão, presidente do alviverde.

É Vasco da Gama, é?
Nos uniformes do Gama, não há a cor preta nem a faixa transversal ou cruz de malta no peito. No escudo do clube, não há caravela. Tudo isso, porém, não impediu que os europeus confundissem a equipe do DF com o Vasco por causa do nome. “Falávamos que não tinha nada a ver. Que o Gama nem mesmo é do Rio”, conta o goleiro Pedro Alves. Por diversas vezes durante os passeios pelas ruas de La Louvière, os jogadores também se deparavam com belgas curiosos sobre outros grandes clubes brasileiros. “Perguntavam muito sobre o Flamengo e o São Paulo”, relembra.