Futebol amador

Com peso social, Copa Gari tem atletas com passagem por times profissionais

Torneio que tem abertura neste domingo, no Mané Garrincha, visa promover a valorização da profissão de gari na sociedade

postado em 17/08/2018 22:37 / atualizado em 18/08/2018 19:33

Carlos Vieira/CB/D.A Press

O trabalho deles é importante para toda a cidade. Durante a Copa do Mundo, por exemplo, varrem a sujeira deixada por torcedores nas ruas e esvaziam as lixeiras entupidas. Na prática, porém, os garis acabam com frequência sendo alvo de preconceito. Neste domingo (19/8), eles trocam o papel de coadjuvantes para assumirem o protagonismo em campo na segunda edição da Copa Gari, que começa em um palco de Mundial, o Mané Garrincha, às 13h30, com direito à escola de samba Acadêmicos da Asa Norte, show com a dupla Henrique e Ruan e coreografia com os atletas. 
 
O campeonato, que visa promover a valorização da profissão de gari perante a sociedade, ainda conta com craques que, antes de trabalharem com coleta de lixo, tentaram seguir carreira nos gramados. Atuando como zagueiro, Wiliam Martins, 36 anos, foi eleito o melhor jogador na edição do torneio no ano passado. Ele chegou a jogar nas categorias de base da Chapecoense dos 17 aos 19 anos, mas o nascimento de um filho o trouxe de volta para Brasília e, depois, uma lesão no menisco esquerdo o afastou do sonho de se profissionalizar como jogador.
 
O também zagueiro Francisco Costa, 33 anos, há um ano trabalha como motorista de caminhão de lixo. O morador do Novo Gama, que atuou nas categorias de base do Dom Bosco, time brasiliense, disse já ter jogado no estádio Nacional de Goiânia e no Bezerrão, mas será a primeira vez no Mané Garrincha. “A expectativa é de ter uma atmosfera diferente, de saber que muitos craques pisaram ali”, diz Wiliam, que acorda às 5h para trabalhar das 7h às 15h20 e não dispensa os treinos após a jornada. “Nós nos superamos a cada dia.”
 
Carlos Vieira/CB/D.A Press


O supervisor de coleta Júlio César Oliveira Mendonça, 31 anos, parece ter, além do nome, talento de goleiro. Mais jovem, jogou duas edições da Copa São Paulo de Futebol Júnior com o Botafogo de Ribeirão Preto. Aos 17 anos, pouco antes de se profissionalizar no Comercial de Ribeirão Preto, levou um tiro no joelho. O projétil que o atingiu foi disparado no meio de uma briga durante torneio amador em Ceilândia. 
 
Após se recuperar, Júlio César foi dispensado do time e diz que não pôde nem reclamar. “Eu não poderia estar jogando o campeonato”, lamenta. Após a frustração nos gramados, ele voltou para Brasília, serviu ao Exército com 18 anos e era técnico de telecomunicações antes de se tornar supervisor de coleta da Sustentare e goleiro da equipe. Ao menos, o talento com a bola parece ser genético. Tem dois filhos na categoria de base do Brasília. Yuri Natan, 10 anos, está vinculado ao Fluminense e Matheus Osvaldo, 6 anos, joga no sub-8 e tem vínculo com o Flamengo. “Espero que eles cheguem onde eu não cheguei”, projeta. 
 
Agora será a vez de os filhos o verem em ação. Esta será a primeira vez que Júlio César disputa um campeonato desde que fez uma promessa de ficar quatro anos sem jogar futebol. Na época, a mãe dele estava na UTI por causa de uma parada cardíaca. Neste período, engordou mais de 20kg. “Vou voltar a fazer o que eu gosto, fiquei quatro anos só vendo os outros jogarem”, diz. Na edição da Copa Gari do ano passado, ele foi voluntário na organização. “Agora, tenho uma motivação para perder peso”, completa o goleiro de 1,83m. 


A "mãezona" por trás da Copa Gari

Carlos Vieira/CB/D.A Press
Idealizadora do campeonato e coordenadora de Projetos e Desenvolvimento Humano da Sustentare Saneamento, Williani Carvalho diz que o evento diminuiu o índice de falta por problemas de saúde. Além dos benefícios para o bem-estar dos garis, ela ressalta que a importância da iniciativa é passar a mensagem de inclusão social e responsabilidade com a qualidade de vida dos funcionários. “Queremos valorizar a categoria por meio do maior esporte do mundo”, argumenta. 
 
A segunda edição da Copa Gari prevê 16 partidas até a final, que ocorrerá em 4 de novembro, também no Mané Garrincha. As disputas prometem ser acirradas dentro de campo, mas o principal objetivo do torneio é elevar a autoestima dos garis, além de estreitar laços de amizade e melhorar a saúde física e mental dos participantes. “Foi boa a iniciativa dessa Copa, porque ficamos mais amigos. Além de criar um vínculo no serviço, criou fora dele também”, explica Wesley Rodrigues, 37 anos. Antes de trabalhar na usina como auxiliar de manutenção, o volante chegou a disputar o Campeonato Brasiliense de Juniores com o Sobradinho, dos 18 aos 20 anos.